A operação Lava Jato recuperou R$ 13,8 bilhões desviados dos cofres públicos brasileiros. Não há como fugir desse fato. O dinheiro resgatado pela força-tarefa não estava escondido debaixo de colchões ou cofrinhos de cabeceira de cama. Não era dinheiro de economia pessoal ou poupança dos envolvidos. Eram bilhões de reais desviados do bolso do brasileiro que estavam escondidos em contas no exterior, em paredes e em malas dos investigados. Nenhuma outra operação antes, na história do Brasil, conseguiu ir tão fundo e tão longe no cerco e na punição aos corruptos.

Combater a corrupção, no entanto, não é uma tarefa fácil, por um motivo muito simples: o corrupto sempre jogou e sempre vai jogar sujo em tudo que fizer na vida – quanto mais para poder escapar da prisão. Eu, que nos meus dez anos de vida pública já denunciei alguns casos “cabeludos” de desvio de dinheiro público, pude ver em primeira pessoa como os sistemas político e jurídico se organizam contra quem enfrenta a corrupção. Posso até dizer que isso é algo programado em alguns desde a escola.

Imagine uma sala onde vários alunos estejam fazendo uma prova. De repente, um deles se levanta e começa a denunciar os colegas ao lado que estão colando na prova. Você já foi criança e sabe que não são poucos os alunos que colam. Esse estudante sai denunciando um por um, em voz alta, à professora. Você consegue imaginar o futuro dessa criança na escola? Acha que ela será aclamada e carregada nos braços pelos coleguinhas? Não. Ao contrário, posso dizer que um ato desses seria recebido com imensa hostilidade pelos outros alunos. Até mesmo por alguns dos que não estavam colando, penso eu.

Para Moro e Dallagnol, enfrentar todo um aparato de corrupção encontrado no Brasil não deve ter sido muito diferente. Sim, os dois foram aclamados por uma imensa parte da população, mas isso não evitou as intensas articulações, perseguições e pressões de bastidores contra ambos. O mecanismo luta de volta quando se vê ameaçado. Sempre foi e sempre será assim.

Eu consigo entender como poderia acontecer uma aproximação do juiz e dos promotores em meio a tantas tensões e pressões desses julgamentos. Para muita gente no Brasil, a Lava Jato era (e ainda é) mais um golpe contra o PT do que contra a corrupção em si. O clima de guerra cria polos. A polarização coloca como aliadas pessoas que nem sempre estariam juntas. Portanto, se o PT sempre foi contra Moro e a Lava Jato, não é difícil entender como o inverso não acabasse por ocorrer.

Acontece, amigos, que vivemos em um Estado democrático de direito. Para que ele exista, nenhum ser humano pode estar acima da lei. Esta, devo enfatizar, é a principal base para que uma democracia exista: a de que todos nós, incluindo nossos governantes e autoridades, devemos obedecer às leis.

Na minha concepção, Moro e Dallagnol se perderam durante a batalha que travaram para levar os investigados à prisão. Em algum ponto, o combate aos corruptos se tornou secundário à vontade de entrar para a história. Afinal, por maior que seja a Lava Jato, ela nunca teria metade do seu tamanho se não tivesse culminado na prisão do ex-presidente Lula.

Os vazamentos do The Intercept só deixam absurdamente claro algo que, antes, só tinham certeza os que leram por completo a sentença condenatória do ex-presidente: nunca houve ali nenhum pingo de imparcialidade ou amor às provas e ao devido processo.

Não importa aqui o que você acha do ex-presidente ou o quanto goste de vê-lo atrás das grades. Se você é contra a corrupção, realmente contra a corrupção, então você entende que a única forma de combatê-la é exigindo a estrita obediência às leis. Caso contrário, você é só parte do clubinho que acha ok ignorar as leis quando seus interesses estiverem sendo atendidos – o que, aliás, é a definição de uma pessoa corrupta.