BRASÍLIA - Foram quase sete anos sem se consultar com um especialista, até que em 2023 o influenciador digital Bruno Almeida criou coragem para tentar no SUS um atendimento que não conseguia no plano de saúde. Psicólogo formado em Poços de Caldas, no Sul de Minas, Bruno, que é homem trans, estava desde 2017, quando deu início à sua transição, sem voltar ao ginecologista. 

Foi um longo tempo até conseguir, por meio de uma médica indicada por conhecidos, fazer o papanicolau, que é o exame preventivo no colo do útero. De lá saiu com guias e de pedidos de outros exames, todos relacionados ao seu sexo de origem e que diferem com o gênero indicado em sua nova documentação. 

A barreira enfrentada por Bruno, com embaraços, preconceito e, principalmente, recusas no atendimento é a mesma de milhares de transexuais no Brasil que precisam de atendimento na rede pública de saúde. Ao passarem pela transição, incluindo a com mudança de nome de registro civil para refletir sua identidade de gênero, homens trans, por exemplo, que mantêm órgãos reprodutivos como vagina, útero e ovários, vêm enfrentando dificuldades para marcar consultas em especialidades femininas. 

Problemas semelhantes encaram mulheres trans e travestis que possuem pênis, testículos e próstatas, sendo também negado a elas o acesso a ramos médicos como urologia e proctologia. Tudo isso por que o sistema público de saúde que não reconhece pessoas do gênero masculino como elegíveis para especialidades femininas, e vice-versa. 

Decisão do STF

Nesta sexta-feira (28), em que é celebrado o Dia do Orgulho LGBTQIAP+, o Supremo Tribunal Federal (STF) conclui em plenário virtual o julgamento de uma ação do PT. 

O partido questiona omissões do Ministério da Saúde no atendimento à atenção primária do SUS a transsexuais em consultas relacionadas ao sexo biológico do paciente. A legenda sustenta que a situação viola os preceitos fundamentais do direito à saúde, da dignidade da pessoa humana e da igualdade.

Já na quinta-feira (27), a Corte já havia atingido a maioria de votos para que as consultas e exames de todas as especialidades nos hospitais públicos sejam realizados de acordo com a necessidade da pessoa atendida. Ou seja, levando em consideração o sexo biológico.

Transfobia estrutural

Advogado da ação julgada pelo STF, Paulo Iotti reconhece avanços na garantia de direitos à comunidade LGBTQIAP+, seja na união civil a pessoas do mesmo sexo ou na equiparação da homotransfobia ao crime de injúria racial, ainda que diante da resistência do Congresso Nacional em aprovar leis que resguardem a segurança e a igualdade dessas pessoas

“A garantia do atendimento médico das pessoas trans no SUS, independente do seu sexo biológico é um tema que precisa da atenção dos poderes políticos e do Judiciário porque o SUS estava recusando atendimento unicamente por transfobia. Uma transfobia estrutural, nem sempre intencional, que só associa a homem quem tem pênis e mulher quem tem vagina”, pondera Iotti. 

Constrangimento e vergonha 

No caso do mineiro Bruno Almeida, ele acabou pagando pelos exames em uma clínica particular. A decisão foi tomada para evitar novas resistências, além de enfrentar mais preconceito até que conseguisse provar que se tratava de um homem com órgãos genitais femininos.

“Esse sentimento de medo e vergonha vem do constrangimento que cada pessoa trans passa, da dificuldade de acessar um serviço e cuidar da saúde, como foi o meu caso de não conseguir ser completamente examinado. Foi uma situação que aconteceu comigo e que me dá uma certa insegurança para ir de novo ao ginecologista e não buscar mais esse atendimento”, relata.