BRASÍLIA - Marco Aurélio Mello, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), disse estar "perplexo" com o fato de a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete acusados da suposta tentativa de golpe de Estado ter sido analisada na Primeira Turma, e não no plenário da Corte. "O que, para mim, é um descalabro", avaliou.
Ministro do STF por 31 anos, Mello também criticou que o julgamento de acusados sem foro privilegiado aconteça no STF, como no caso de envolvidos nos atos de depredação no 8 de janeiro de 2023. "Tivemos um alargamento da competência do Supremo", avaliou.
O ex-ministro lembrou o caso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), quando foi condenado pela Operação Lava Jato. Segundo ele, mesmo na condição de ex-presidente, por crimes supostamente cometidos durante seu mandato, o petista foi julgado na primeira instância.
"A Constituição revela a competência do Supremo. E a competência é direito estrito, é algo que está na Constituição e nada mais. Mas eles vêm se dizendo competentes para julgar todo mundo", disse, em entrevista à Jovem Pan, na quarta-feira (26).
"Onde foi julgado o atual presidente à época? O presidente Lula? Na 13ª Vara federal criminal de Curitiba. Ele era ex-presidente, por que não foi julgado no Supremo?", questionou.
‘A arma dela foi o batom’
Além disso, Marco Aurélio Mello defendeu a revisão da pena da cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, condenada a 14 anos de prisão pela pichação de 'perdeu, mané', na estátua A Justiça, em frente ao STF. A intenção foi sinalizada pelo ministro Luiz Fux, durante o julgamento da denúncia contra Bolsonaro.
"Aquela moça, por exemplo, que utilizou uma arma que foi um batom e prestou a homenagem ao ministro, que repetiu o que ele disse lá em Nova York. Ela foi apenada em 14 anos por ele", disse o ex-ministro.
Ele afirmou ainda que espera que Fux revise a pena de Débora. "Eu espero que ele o faça. Porque sapecaram aí... O relator, o ministro Alexandre sapecou uma pena que é exorbitante e considera vários crimes, inclusive associação criminosa armada. A arma dela foi o batom".
Entenda
Os ministros decidiram que já existe entendimento pacificado da competência do Supremo Tribunal Federal para julgamento dos atos do 8 de janeiro de 2023 e de inquéritos relacionados. Além disso, os magistrados destacaram que o regimento interno no STF prevê que a Primeira Turma é competente para julgamento de matéria penal.
Apenas Fux defendeu que o julgamento da denúncia contra Jair Bolsonaro e mais sete acusados fosse transferida da Primeira Turma para o plenário, onde os 11 ministros têm voto, para conferir maior legitimidade à ação.
O STF também decidiu, neste mês, ampliar o foro privilegiado para políticos investigados na Corte. O entendimento da maioria dos ministros é que as apurações de autoridades devem continuar a ser conduzidas pelo STF, mesmo depois que elas deixarem as funções em que teriam cometido o crime.
Bolsonaro e outros sete acusados se tornam réus
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, na quarta-feira (26), abrir ação penal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e sete membros do seu governo por suposta tentativa de golpe de Estado após o resultado das eleições presidenciais de 2022.
A denúncia foi apresentada pela PGR ao STF em 18 de fevereiro e dividiu os investigados em cinco grupos de atuação. O fatiamento foi feito para facilitar o julgamento, permitindo a análise separada dos diferentes núcleos envolvidos.
Fazem parte deste grupo Jair Bolsonaro e sete aliados que integraram, em parte ou no todo, o governo do ex-presidente. Na denúncia, Gonet chama esse grupo de "núcleo crucial", responsável por liderar o suposto esquema. Além de Bolsonaro, são eles:
- Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do governo Bolsonaro;
- Almir Garnier, almirante e ex-comandante da Marinha;
- Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do DF;
- Alexandre Ramagem, deputado federal e presidente da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na gestão Bolsonaro;
- Mauro Cid, ajudante de ordens de Jair Bolsonaro;
- Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa;
- Walter Braga Netto, candidato à vice-presidência na chapa de Bolsonaro em 2022 e ex-ministro da Defesa e da Casa Civil durante o governo Bolsonaro.
O grupo foi acusado de praticar cinco crimes. São eles: organização criminosa armada, abolição violenta do Estado democrático de direito, golpe de Estado, dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. A pena total máxima pode chegar a 43 anos e 4 meses de prisão.
Próximos passos
O próximo passo é a abertura da fase de instrução processual, quando são colhidas as provas e depoimentos de testemunhas e acusados. Nesta etapa, acontecem os interrogatórios dos réus e as oitivas das testemunhas de acusação e de defesa, e há esclarecimentos de peritos, se necessário.