BRASÍLIA - O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira (10/9), às 9h, o julgamento da ação penal da suposta tentativa de golpe de Estado que pode condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete réus. O placar está em 2x0 pela condenação dos acusados de integrar o chamado "núcleo crucial" da suposta trama. 

Faltam os votos dos ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma. O relator, ministro Alexandre de Moraes, e Flávio Dino já votaram pela responsabilização do ex-presidente e dos demais réus do também chamado "núcleo 1".

Em seu voto na terça-feira (9/9), Moraes listou provas que demonstram a formação de uma “organização criminosa” para elaborar e executar o plano golpista. Ele afirmou que o julgamento não visa comprovar se houve uma tentativa de golpe de Estado liderada por Bolsonaro, porque, segundo ele, há provas suficientes sobre esse crime.

“Esse julgamento não discute se houve tentativa ou não tentativa de golpe. O que discute é a autoria, se os réus participaram. Não há nenhuma dúvida em todas as condenações de que houve tentativa de abolição ao Estado democrático de direito, que houve formação de organização criminosa e que houve dano ao patrimônio público. O que se analisa é a autoria das infrações penais imputadas”, disse o ministro.

Em uma apresentação de slides, Moraes mostrou momentos, entre junho de 2021 e 8 de janeiro de 2023, que evidenciariam a atuação do suposto grupo criminoso liderado por Bolsonaro e integrado por militares de alta patente, incluindo generais do Exército que ocuparam alguns dos principais cargos do governo do ex-presidente.

Veja a seguir a linha do tempo e os episódios descritos por Moraes:

  • Uso de órgãos públicos para o monitoramento de adversários políticos e execução de ataques ao Poder Judiciário;
  • Atos executórios públicos com graves ameaças à Justiça Eleitoral: live de 29 de julho de 2021, entrevista de 3 de agosto de 2021 e live de 4 de agosto de 2021;
  • Tentativa, com emprego de grave ameaça, de restringir o exercício do Poder Judiciário em 7 de setembro de 2021, quando Bolsonaro fez discurso contra Moraes e o Supremo;
  • Reunião ministerial de 5 de julho de 2022, em que Bolsonaro pediu aos ministros para atacar o sistema eleitoral – filmada e usada como uma das principais provas;
  • Reunião com embaixadores de 18 de julho de 2022, em que Bolsonaro falou sobre irregularidades nas urnas, sem apresentar provas – ficou inelegível por causa desse episódio;
  • Uso indevido da estrutura da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no 2° turno das eleições presidenciais, quando blitzes foram realizadas para dificultar o trânsito de eleitores de Lula, principalmente no Nordeste;
  • Utilização indevida da estrutura das Forças Armadas, com a confecção de de Relatório de Fiscalização do Sistema Eletrônico de Votação do Ministério da Defesa;
  • Atos executórios após o 2° turno das eleições: live em 4 de novembro de 2022; ações de monitoramento de autoridades em 21 de novembro de 2022; representação eleitoral para verificação extraordinária; reunião dos “kids pretos” em 28 de novembro de 2022; e elaboração da Carta ao Comandante;
  • Planejamento do plano “Punhal Verde e Amarelo” e da “Operação Copa 2022”, que previam os assassinatos de Moraes, de Lula do seu vice, Geraldo Alckmin (PSB);
  • Atos executórios seguintes ao “Punhal Verde e Amarelo”: Monitoramento do presidente eleito [Lula], “Operação Luneta”, “Operação 142” e “Discurso pós-golpe”;
  • Elaboração da chamada “Minuta do Golpe do Estado” e apresentação aos comandantes das Forças Armadas para que aderissem ao plano golpista;
  • Tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023, com invasão e depredação das sedes dos Três Poderes e posterior intervenção militar;
  • Instalação de um gabinete de crise após a consumação do golpe de Estado, com Bolsonaro como presidente, apoiado pelas Forças Armadas.

Flávio Dino defende pesos diferentes nas penas

O ministro Flávio Dino seguiu o voto do relator, mas apontou que os níveis de culpa são diferentes dentro do núcleo principal considerado pela Procuradoria-Geral da República (PGR). 

"Em relação a Jair Bolsonaro e Walter Braga Neto não há dúvidas da alta culpabilidade e, por isso, a dosimetria deve ser congruente com o papel dominante de liderança que eles exerciam", disse. “Tinham domínio de todos os fatos narrados”, destacou o magistrado. 

Segundo Dino, há indícios da alta culpabilidade também em relação a Almir Garnier (ex-comandante da Marinha), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça) e Mauro Cid (ex-ajudante de ordens de Bolsonaro). Mas o ministro apresentou ressalva em relação aos ex-ministros Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira e ao ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem, atual deputado federal, por haver menos provas sobre a participação deles na suposta trama golpista.

Em meio às discussões por anistia no Congresso Nacional, Flávio Dino adiantou, nesta terça-feira, que entende não haver perdão a crimes contra o Estado Democrático de Direito. Ainda no início do voto, ele observou que a Constituição Federal classifica ações de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático de Direito como “imprescritíveis” e “inafiançáveis”.

Confira quem está sendo julgado no núcleo 1

O julgamento na ação penal por tentativa de golpe de Estado é inédito no país, porque é a primeira vez que um ex-presidente e militares respondem por tal crime. Fazem parte do chamado "núcleo 1" ou "núcleo crucial":

  • Jair Bolsonaro: capitão do Exército de 1973 a 1988, foi presidente da República de 2019 a 2022;
  • Alexandre Ramagem: diretor da Abin no governo de Jair Bolsonaro, foi delegado da Polícia Federal (PF);
  • Almir Garnier: comandante da Marinha na gestão Bolsonaro, é almirante de Esquadra da Marinha;
  • Anderson Torres: ministro da Justiça no governo Bolsonaro e delegado da PF, era secretário de Segurança do DF no 8 de janeiro;
  • Augusto Heleno: ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) de Bolsonaro, é general da reserva do Exército;
  • Mauro Cid: ex-ajudante de ordens da Presidência, era um dos principais assessores de Bolsonaro, é tenente-coronel do Exército;
  • Paulo Sérgio Nogueira: ministro da Defesa na gestão Bolsonaro, é general do Exército;
  • Walter Braga Netto: general da reserva do Exército, foi ministro da Casa Civil de Bolsonaro e vice na chapa dele em 2022.

Os réus são acusados dos seguintes crimes:

  • Abolição violenta do Estado democrático de direito;
  • Golpe de Estado;
  • Organização criminosa;
  • Dano qualificado ao patrimônio da União;
  • Deterioração de patrimônio tombado.

A exceção é Ramagem que, por ocupar mandato de deputado, responde somente pelas acusações de tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolir o Estado democrático de direito e organização criminosa. O julgamento dos outros dois crimes deve ser retomado pela Justiça quando ele deixar o cargo.

Além desses oito réus, o plano de golpe apontado na denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) com base em investigação da Polícia Federal (PF), envolve outros 24 acusados, organizados em três núcleos distintos, conforme o papel desempenhado.