Investigação

Duran acusa ex-procuradores da Lava Jato de cobrar 'taxa de proteção' de alvos

Ex-advogado da Odebrecht disse que um executivo chinês relatou ter entregue US$ 750 mil a Antonio Figueiredo Basto e Carlos Zucolotto, sócio do escritório de Rosângela Moro

Por O Tempo Brasília
Publicado em 10 de maio de 2023 | 10:59
 
 
 
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O advogado Rodrigo Tacla Duran disse em depoimento ao juiz Eduardo Appio, da 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba, nesta terça-feira (10), que procuradores da força-tarefa da Lava Jato cobravam propina para poupar investigados de denúncia à Justiça e eventual condenação. 

Duran, que prestava serviços para a Odebrecht, empreiteira que se tornou um dos principais alvos da Lava Jato, disse ainda ter sido perseguido por procuradores de Curitiba que integravam a força-tarefa por não aceitar pagar o que chamou de “taxa de proteção”. Ele é réu em um dos processos oriundos da Lava Jato.

Em seu depoimento nesta terça, feita por videoconferência, pois Duran mora em Madrid, na Espanha, o advogado disse que um executivo chinês relatou a ele ter entregue US$ 750 mil aos advogados Antonio Figueiredo Basto e Carlos Zucolotto, à época sócio do escritório de Rosângela Moro, mulher do então juiz Sergio Moro e hoje deputada federal.

Duran contou ter sido procurado por Zucolotto, que, segundo o ex-advogado da Odebrecht, passou a pedir dinheiro para poder fazer acordo com os procuradores da Lava Jato.

Em junho de 2016, Tacla Duran teria procurado o advogado Marlus Arns de Oliveira – que trabalhava com a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de Curitiba, em contato direto com Rosângela Moro, diretora jurídica do escritório de advocacia de Carlos Zucolotto.

Carlos Fernando dos Santos seria o maior beneficiário, segundo Duran

Tacla Duran contou que o dinheiro teria sido levantado por meio de offshore, transferido por meio de um banco suíço e, em seguida, distribuído em espécie. O principal beneficiário, segundo Duran, seria o ex-procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, um dos líderes da força-tarefa da Lava Jato.

A indicação, ainda de acordo com Dura, partiu de Wu Yu Sheng, doleiro já falecido que trabalhava diretamente com a Odebrecht e que não foi processado pela Lava Jato de Curitiba, apesar de ter aparecido em vários depoimentos e dado suporte para todas as denúncias do Departamento de Operações Estruturadas, a fonte das propinas da Odebrecht. 

Wu Yu Sheng teria recomendado Marlus, destacando a alta taxa de sucesso na celebração de acordos com a força tarefa. Em tal conversa, teria usado a expressão de que “o dr. Marlus fazia parte da panela dos advogados amigos dos procuradores”, como Antônio Augusto Frederico Bastos.

Contou também que Frederico Bastos liderava um esquema de “taxa de proteção”, que era cobrado do doleiro Dario Messer e outros doleiros, desde o caso Banestado. 

Ainda conforme Duran, os advogados da Odebrecht já sabiam que Figueiredo Bastos estava por trás da operação do doleiro mais ligado à Lava Jato, que era Alberto Youssef. Ao mesmo tempo, Figueiredo Bastos coordenava a delação de Ricardo Pessoa, da UTC, que era sócio de fato de Alberto Youssef.

Wu Yu também teria relatado que ele também participou das operações de pagamento dessa taxa de proteção. Depois, Wu teria pago US$ 500 mil a Marlus Arns para não ser processada em Curitiba. Pagou parte por dentro parte por fora, pelo Banco Paulista. Disse que a operação vinha desde o Banestado, por conta da atuação do então procurador Carlos Fernando Santos Lima e seu pai. Segundo Tacla Duran, o pagamento era feito ao próprio Carlos Fernando.

Wu também teria contado que recebeu US$ 750 mil de Figueiredo Bastos, enviados de uma conta do banco Vontobel, da Suíça. Tacla Duran apresentou o número da conta. O dinheiro teria sido entregue em espécie nos escritórios de Figueiredo Bastos e Carlos Zucolotto para pagamento de Carlos Fernando e seu pai.

“Esses 750 mil dólares que o Wu recebeu nessa conta, ele entregou, em espécie, nos endereços dos escritórios [...] Escritórios dos quais esses valores se destinavam ao dr. Carlos Fernando Santos Lima, do pai dele, que rotineiramente frequentavam esses escritórios”, afirmou Duran.

Outra empresa que conseguiu proteção, segundo Duran, foi a Pecus S.A.. A empresa era cliente de Zucolotto e foi delatada pelo doleiro Adir Assad, em acordo homologado pela 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba, nunca sendo denunciada. Os pagamentos de Figueiredo Bastos para Wu foram feitos em 20 de maio de 2016, 7 de junho e 17 de junho. O dinheiro foi entregue nos escritórios de Figueiredo Bastos e Carlos Zucollotto para o escritório de Carlos Fernando. Tudo de acordo com Duran.

Duran disse que Odebrecht fabricou provas para atender procuradores da Lava Jato

Duran afirmou ainda que, para tirar mais de 70 delações do papel, a Odebrecht teria fabricado provas, inclusive manipulando sistemas internos que tratavam de contas que abasteceriam políticos denunciados pelos procuradores e condenados por Moro, então um juiz federal na capital paranaense.

O ex-advogado Odebrecht garantiu que pode provar que o sistema da construtora foi manipulado para incriminar alvos e atender as exigências da força-tarefa.

“É quase infantil achar que a empresa saía diariamente dando extratos de contas reservadas que nem eu conhecia, nem o Marcelo (Odebrecht, um dos donos da empreiteira) conhecia… Isso não existia. Isso existiu no mundo da delação de Curitiba… Exigido. Porque se a pessoa não levasse isso em mãos, não era aceito (o acordo de delação)”, afirmou Duran.

Duran não pode citar Moro e Dallagnol por causa de decisão do STF

Tacla Duran foi ouvido nesta terça como testemunha em um caso que envolve um delator da Odebrecht no Equador. O depoimento foi pedido pelo ex-vice-presidente do país, Jorge David Glas Espinel, para o processo que tramita no seu país, em função das denúncias da Lava Jato. 

Duran não pôde citar os nomes do hoje senador Sérgio Moro e do deputado federal Deltan Dallagnol por causa de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que proíbe a menção a suspeitos com prerrogativa de foro. Ambos são investigados em inquérito que tramita no STF sob sigilo.

Novo juiz da Lava Jato em Curitiba, Eduardo Appio ressaltou, durante a audiência de terça, por mais de uma vez, que Tacla Duran deve ser ouvido novamente. Appio encaminhou cópia da audiência para a Superintendência da Polícia Federal no Paraná.

Os ex-procuradores da força-tarefa sempre negaram as acusações de Tacla Duran. Para eles, o advogado é um criminoso foragido da Justiça brasileira que atuava como doleiro da Odebrecht, distribuindo propina.

No entanto, em março, o juiz Eduardo Appio, que assumiu a 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba em fevereiro, revogou o mandado de prisão preventiva que havia contra Tacla Duran. A ordem de prisão foi decretada em 2016 por Sergio Moro, mas o advogado estava em Madri, onde continua morando.

Na decisão, Appio argumentou que a Constituição Federal prevê a presunção de inocência e que a prisão cautelar é medida excepcional. O magistrado citou ainda decisões do STF que declarou inválidas provas apresentadas por delatores da Odebrecht, e fez com quem o ministro Ricardo Lewandowski suspendesse processos da Operação Lava Jato baseados nessas provas. 

Este foi o segundo depoimento de Tacla Duran à Lava Jato após Eduardo Appio assumir a 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba. Em março, quando era ouvido sobre o processo em que é réu por lavagem de dinheiro, Duran fez acusações contra Moro e Dallagnol.

Duran acusou o senador de extorsão e o deputado federal de perseguição quando comandavam a Lava Jato. Como ambos tem foro privilegiado, o caso foi ao STF.

Até a publicação desta reportagem, nenhum dos citados por Duran no depoimento de terça havia se manifestado. 

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