Ataque aos poderes

Fachin acompanha Moraes e defende 17 anos de prisão para 1º réu do 8 de janeiro

Com os votos proferidos até a manhã desta quinta, o julgamento está em 4 a 1 pelo reconhecimento de atentado à democracia

Por Renato Alves
Publicado em 14 de setembro de 2023 | 11:42
 
 
 
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O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou na manhã desta quinta-feira (14) o julgamento de Aécio Lúcio Costa Pereira, primeiro réu pelos atos de 8 de janeiro. Ele é cientista da computação e ex-funcionário da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). 

A sessão começou com o voto do ministro Cristiano Zanin. Ele acompanhou o relator do caso, Alexandre de Moraes, e votou para condenar o réu por cinco crimes. Zanin, porém, abriu uma divergência em relação à pena. Ele propôs 15 anos de detenção – Moraes pediu 17 anos de cadeia.

Depois de Zanin, votou André Mendonça. Ele votou para condenar o réu por quatro crimes: abolição violenta do estado democrático de direito, associação criminosa, deterioração de patrimônio tombado e dano qualificado. Pediu absolvição da acusação de golpe de estado, alegando não haver provas suficientes. Propôs pena de 7 anos e 11 meses de prisão.

Em seguida, Edson Fachin acompanhou integralmente Alexandre de Moraes, e votou pela condenação do réu a 17 anos de prisão, pelos cinco crimes apontados pela Procuradoria-Geral da República (PGR).

Com os votos proferidos até a manhã desta quinta, o julgamento está em 4 a 1 na parte mais importante da discussão, o reconhecimento da atuação dos manifestantes para atentar contra a democracia. 

Na quarta (13), primeiro dia de julgamento, votaram o relator, Alexandre de Moraes, e o revisor dos processos, Nunes Marques. Moraes votou pela condenação de Aécio a 17 anos de prisão em regime fechado por cinco crimes. Em seguida, Nunes Marques absolveu o acusado de três crimes e o condenou por outros dois. A Corte prevê julgar outros três réus nesta primeira leva de processos.

Confira como votaram os ministros até o momento:

  • Alexandre de Moraes: defendeu pena de 17 anos
  • Kassio Nunes Marques: votou por 2,5 anos de prisão
  • Cristiano Zanin: 15 anos de prisão
  • André Mendonça: 8 anos de prisão
  • Edson Fachin: 17 anos de prisão

Mendonça nega golpe e é questionado por ministros

“Eles não agiram para tentar depor o governo. A deposição do governo dependeria de atos que não estavam ao alcance dessas pessoas. Em relação a esse réu, não vejo na atitude dele um ato idôneo de golpista. Não estou absolvendo, estou condenando ele em tudo. Minha pena somada, vou antecipar, vai chegar a oito anos. Estou longe de ser leniente. Houve uma tentativa idônea de golpe de Estado? Entendo que não”, disse Mendonça no início do voto.

Nesse momento, foi interrompido por Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes. Eles iniciaram um debate sobre o que configura uma tentativa de golpe de Estado. “Com todo o respeito, Vossa Excelência (Mendonça) querer falar que a culpa do 8 de janeiro é do ministro da Justiça…”, começou Moraes. “Vossa Excelência vem ao plenário do STF, que foi destruído, para dizer que houve uma conspiração do governo contra o próprio governo?”, questionou em seguida. Neste momento, Mendonça se exaltou, pedindo ao relator para “não colocar palavras” em sua boca.

Os ministros também discordaram a respeito do acionamento da Força Nacional no dia 8 de janeiro. De acordo com Mendonça, os agentes poderiam e deveriam ter sido acionados no momento dos atos criminosos. Por sua vez, Moraes afirmou que a Força Nacional só poderia ser acionada com ordem explícita do governo federal.

Para defender a tese de que não houve planejamento de golpe, Mendonça citou a “facilidade de invasão” do Palácio do Planalto. Moraes rebateu de imediato: “Tem cinco integrantes da cúpula (da Segurança Pública do DF) presos. O ministro que o sucedeu fugiu pros Estados Unidos e jogou o celular no lixo (referência a Anderson Torres), ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, que assumiu a Secretaria de Segurança Pública do DF poucos dias antes do 8 de janeiro)”. “Não sou advogado de ninguém”, respondeu Mendonça.

Assim como Nunes Marques, em seu voto, Mendonça citou diversas vezes o depoimento de José Eduardo Natali, major do GSI herdado da gestão de Jair Bolsonaro (PL) que afirmou que nem todos os bolsonaristas presentes no Palácio do Planalto em 8 de janeiro queriam depredação. Natali apareceu em vídeos do sistema de segurança do prédio dando água aos invasores e indicando o caminho da saída para eles.

No início da sua fala, Mendonça também voltou a defender o entendimento de que o caso não deveria estar no STF. Admitiu já ter sido vencido em outro julgamento sobre a competência para julgar os atos de 8 de janeiro. 

Zanin pede 15 anos de cadeia por cinco crimes

Cristiano Zanin defendeu a condenação de Aécio Pereira pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça, deterioração de patrimônio tombado e associação criminosa armada.

Logo no começo da explanação, Zanin afirmou que nos crimes de multidão (multitudinários), como no caso em análise, os indivíduos atuam como “massa de manobra”, um influenciando o outro. Assim como Moraes, Zanin considerou que o STF é a instância competente para julgar os atos de 8 de janeiro, rejeitando um dos argumentos da defesa do réu.

Zanin também afirmou que a participação do réu nos atos é “patente nos autos”. “Ele não ingressou no Senado para um passeio. Ingressou junto a multidão que, com agressão física e patrimonial, buscava a destituição de um governo legitimamente eleito”, destacou. “O réu gravou inclusive vídeos dentro do Senado que não deixam dúvida sobre sua participação na atividade criminosa”, completou.

Morador de Diadema (SP), Aécio Pereira foi preso pela Polícia Legislativa no plenário do Senado. Momentos antes, ele havia publicado um vídeo nas redes sociais comemorando a invasão da Casa, sentado na Mesa Diretora, convocando a população para um golpe de Estado. 

“Amigos da Sabesp: quem não acreditou, tamo aqui. Quem não acreditou, tô aqui por vocês também, porra! Olha onde eu estou: na mesa do presidente (do Senado)”, disse no vídeo, pouco antes da prisão. Ele ainda usava uma camiseta que dizia “intervenção militar federal”.

Aécio Pereira também quebrou vidraças, portas de vidro, obras de arte, equipamentos de segurança, e usou álcool para colocar fogo no tapete do Salão Verde da Câmara dos Deputados. Está preso desde então.

Advogado ataca ministros do STF, vacina e nega crimes

Durante a leitura do seu voto Zanin chamou de “lamentável” a manifestação do advogado Sebastião Coelho da Silva, do primeiro réu, que atacou o STF da tribuna da Corte, debochou da vacina contra a Covid-19 e é investigado por supostamente financiar os atos de 8 de janeiro. 

Ao falar em defesa do primeiro réu a ser julgado pelo STF pelos atos de 8 de janeiro, Sebastião Coelho, que é desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT) e do Tribunal Regional Eleitoral do DF (TRE-DF), atacou a exigência de vacina contra Covid-19 em presídios e integrantes da Corte, pediu a suspeição de Alexandre de Moraes, fez discurso de tom político, minimizou os ataques às sedes dos Três Poderes da República e comparou a situação do cliente à de Jesus Cristo.

“A defesa entende que vossa excelência (Alexandre de Moraes) é suspeito para julgar esse caso e vossa excelência pode fazê-lo a qualquer momento, porque a suspeição é de foro íntimo”, afirmou Sebastião Coelho da Silva. “Faço apelo para que vossa excelência o faça”, acrescentou o hoje advogado, olhando da tribuna para o ministro do Supremo. “Afasto. Não vou perder mais tempo com isso”, respondeu Moraes.

Na sessão em que anunciou sua renúncia ao cargo no TRE-DF, em 19 de agosto do ano passado, Sebastião Coelho disse que não estava “feliz” com o STF e afirmou que Alexandre de Moraes “fez uma declaração de guerra ao País”. Sebastião passou a militar publicamente a favor de Jair Bolsonaro (PL) e de uma intervenção federal, frequentando o acampamento em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília, que, entre outras coisas, pedia a prisão de Lula e a destituição de ministros do STF.

Nesta quarta-feira foi divulgada a informação de que o corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, mandou abrir uma reclamação disciplinar contra Sebastião Coelho por causa dos ataques ao sistema eleitoral brasileiro, Moraes e instituições democráticas.

Com a investigação, o CNJ quer saber se o desembargador aposentado também incitou a invasão e depredação das sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro. O corregedor determinou a quebra do sigilo bancário de Sebastião Coelho, no período entre 1º de agosto de 2022 e 8 de janeiro de 2023, para identificar se ele financiou o movimento por golpe de Estado.

Advogado diz que ministros são ‘as pessoas mais odiadas desse país’

Ainda no início do julgamento desta quarta, Sebastião Coelho da Silva disse, ao microfone da tribuna da Corte, que os ministros do Supremo são “as pessoas mais odiadas desse país”.

“Eu quero dizer, com muita tristeza, que nessas bancadas aqui, nesses dois lados, estão as pessoas mais odiadas desse país. Infelizmente. Quantas fotos tenho com ministros desta Corte?. Vossas excelências têm que ter a consciências que vossas excelências são pessoas odiadas desse país. Essa é uma realidade que alguém tem que dizer e vossas excelências têm que saber disso”, afirmou.

Advogado usa tempo de cliente para falar de si mesmo

Na sessão desta quarta, no espaço destinado à defesa do cliente dele, o desembargador aposentado usou o tempo para falar de si mesmo, disse que tem sido intimidado pelo CNJ e terminou definindo-se como um idoso, com problemas de saúde e que pode morrer a qualquer momento.

“Fui informado que o Conselho Nacional de Justiça, através do ministro Luis Felipe Salomão abriu um procedimento para apurar a minha conduta enquanto magistrado. Todos sabem que estou aposentado desde 16 de setembro do ano passado. Eu considero uma intimidação”, afirmou Sebastião Coelho, no início do julgamento.

Ele disse ainda que vai disponibilizar o imposto de renda e extrato bancário aos órgãos de investigação e à imprensa. “Sou um homem idoso, 68 anos, com alguns probleminhas de saúde, que posso morrer a qualquer momento e não tenho mais tempo para ter medo de nada”, ressaltou.

Sebastião Coelho disse também não haver provas de que seu cliente tenha depredado qualquer bem público, que não houve individualização da sua conduta e que ele não participava de um grupo criminoso organizado com o intuito de provocar um golpe de Estado.

O advogado ainda reclamou, em tom de revolta, da exigência de comprovante de vacinação contra Covid-19 para visitar detentos no Complexo Penitenciário da Papuda, onde seu cliente está preso.

“Eu quero trazer essa denúncia também aqui ao tribunal, esse cidadão está há oito meses preso sem nenhum contato com a família. Por que? Porque a sua família não foi vacinada, não tem cartão de vacina, tão famoso o cartão de vacina e moda aqui no país”, disse o advogado durante a sustentação oral.

Réus participaram ativamente da quebradeiras de prédios públicos

Thiago de Assis Mathar, de São José do Rio Preto (SP), será o segundo a ser julgado nesta quarta. Acusado de participar da depredação do Palácio do Planalto, Mathar foi preso pela Polícia Militar dentro do prédio. Ele é defendido pela Defensoria Pública da União (DPU). Segundo a DPU, a acusação deve ser rejeitada por ser genérica e não descrever a suposta conduta criminosa do réu.

O terceiro julgamento será o de Moacir José dos Santos, de Foz do Iguaçu (PR). Ele foi preso pela Polícia Militar no Palácio do Planalto e também responde pela depredação do local. A Defensoria Pública também defendeu a absolvição e afirmou que não houve individualização da conduta.

A última ação penal pautada para julgamento é do réu Matheus Lima de Carvalho Lázaro, morador de Apucarana (PR).  Ele foi preso na Esplanada dos Ministérios em 8 de janeiro portando um canivete, além de uma bandeira e camisa do Brasil.

Ao Supremo, a defesa defendeu a absolvição de Matheus e argumentou que não há provas da participação do investigado na depredação de prédios públicos.

Cerca de mil acusados podem fazer acordos para não serem julgados

Desde o início das investigações, 1,3 mil investigados se tornaram réus na Corte. No mês passado, Alexandre de Moraes autorizou a PGR a propor acordos de não persecução penal para cerca de mil investigados que estavam no acampamento montado em frente ao quartel do Exército, em Brasília, e não participaram da depredação de prédios públicos.

Pelo acordo de não persecução penal (ANPP), acusados de crimes cometidos sem violência ou grave ameaça e com pena mínima de quatro anos podem confessar os crimes em troca de medidas diversas da prisão, como reparação do dano provocado, entrega dos bens que são frutos do crime, pagamento de multa e prestação de serviços à comunidade. (Com Estadão Conteúdo)

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