Ataque ao Exército

Justiça Militar condena coronel que participou do 8 de janeiro e xingou generais

Oficial do Exército é o primeiro sentenciado na corte militar por episódio relacionado aos atos de 8 de janeiro

Por Renato Alves
Publicado em 23 de novembro de 2023 | 12:13
 
 
 
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A Justiça Militar condenou o coronel que ofendeu oficiais generais do Exército e o Alto Comando do Exército durante atos de 8 de janeiro, em Brasília. O próprio Adriano Camargo Testoni divulgou nas redes sociais o vídeo xingando militares por não aderirem ao movimento que visava a derrubada do governo Lula. 

Na gravação, feita na Praça dos Três Poderes, o coronel está acompanhado de uma mulher que tenta proteger os olhos das bombas de efeito moral que eram lançadas pelas forças de segurança para afastar bolsonaristas radicais que invadiram o Congresso Nacional, o STF e o Palácio do Planalto. 

“Forças Armadas filhas da p*. Bando de generais filhos da p*. Vão [sic] tudo tomar no c*. Vanguardeiros de m*”, dispara Testoni. Ele ainda defende os vândalos: “Covardes. Olha aqui o que está acontecendo com a gente. Olha aqui o povo, minha esposa. Esse nosso Exército é um m*. Que vergonha de vocês, militares.”

Testoni ainda proferiu ofensas ao Alto Comando do Exército e aos generais Celso Montenegro, Pinto Sampaio e Pontual. Os arquivos foram compartilhados nos grupos de WhatsApp “Vanguardeiros de 87” e “Missão Indígena”. Em 9 de janeiro, o coronel da reserva enviou nos mesmos grupos vídeos com retratação.

Coronel recebe pena bem mais branda que às aplicadas pelo STF 

Testoni, que foi exonerado em 10 de janeiro do Hospital das Forças Armadas (HFA), após o vídeo viralizar, é o primeiro sentenciado na corte militar por envolvimento em episódio relacionado aos atos que culminaram na invasão e depredação do Palácio do Planalto, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal (STF).

No entanto, diferentemente dos cidadãos julgados pelo STF, com base em denúncias da Procuradoria-Geral da República (PGR), o coronel não foi condenado por crimes como abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado; associação criminosa; incitação ao crime; destruição e deterioração ou inutilização de bem especialmente protegido.

Testoni foi enquadrado no artigo 216 do Código Penal Militar, que prevê pena de detenção de até seis meses “para quem injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro”. Ele também foi enquadrado no artigo 218 do código militar, que prevê que as penas podem ser aumentadas quando o crime é cometido contra superior, como foi o caso.

A Justiça Militar da União, no entanto, considerou na fixação da pena que o réu é “tecnicamente primário, de bons antecedentes” e não constando em sua trajetória no Exército “nada que desabone a sua conduta militar pregressa”, o que levou à aplicação da pena mínima.

Dessa forma, Testoni pegou uma pena bem mais branda em relação àquelas impostas aos sentenciados pelo STF, que resultaram em até 17 anos de prisão. O coronel foi condenado a um mês e 18 dias de detenção, em regime inicial aberto. Por quatro votos a um, o Conselho Especial de Justiça para o Exército aplicou a suspensão condicional da pena de Testoni por dois anos.

Ou seja, o coronel pode cumprir a pena em sua casa, trabalhando durante o dia, mas tendo de se recolher nela à noite e nos dias de folga. Ele mora em um apartamento do Sudoeste, área nobre de Brasília. Cabe recurso ao Superior Tribunal Militar (STM).

MP só havia denunciado o militar pelo crime de injúria

Ao denunciar o coronel, o Ministério Pública Militar (MPM) pediu a aceitação da denúncia apenas pelo crime de injúria. Mas a juíza federal Flávia Ximenes Aguiar de Sousa, titular da 1ª Auditoria Militar de Brasília, considerou que o coronel cometeu o crime de injúria e também ofensa às Forças Armadas.

Ao receber a peça acusatória contra o coronel, a juíza federal da Justiça Militar Flávia Ximenes fundamentou a sua decisão no sentido de que o indiciado, em tese, ao se rebelar verbalmente contra as Forças Armadas, os generais, o Alto Comando e o Exército, o fez de maneira injuriosa, de forma a afetar a reputação de membros dos órgãos superiores do Exército Brasileiro.

Segunda a magistrada, apesar de o discurso do oficial ter alcançado repercussão nacional, restou ausente o intuito de ofender efetivamente a dignidade das Forças Armadas ou abalar a imagem dessas mesmas Forças perante o público pátrio, sendo mais clara a indignação exarada contra os seus companheiros da Turma de 1987.

Apesar de estar na reserva, ele, que é natural de São João Del Rei (MG), atuava como assessor da Divisão de Coordenação Administrativa e Financeira do HFA, em Brasília.

Coronel alegou 'explosão impensada' devido à ação da PM

Em sua defesa, Testoni alegou à Justiça Militar que os vídeos consistiram em uma "explosão impensada decorrente da ação repressiva da Polícia Militar em conter o distúrbio" dos atos golpistas.

O militar sustentou ainda que sua mulher estava a seu lado quando da gravação das mídias, "tendo sofrido as ações do gás lacrimogêneo lançado e dos pisoteios dos manifestantes que tentavam se desvencilhar daquele tumulto". Disse ainda que "não passou pela sua cabeça" que os atos de 8 de janeiro culminaram na depredação das dependências dos Três Poderes.

Mas os magistrados da Justiça Militar não se convenceram. "O réu não apresentou e muito menos provou ter passado por uma condição psíquica que o afastaria do seu juízo cognitivo normal. Mencionou um 'desabafo' contra o Exército e as Forças Armadas, entretanto, conseguiu concatenar o direcionamento de seu descontentamento aos oficiais generais citados pelas mensagens veiculadas", diz trecho da sentença.

O colegiado argumentou que o coronel da reserva "estava ciente do que estava fazendo" ao gravar os vídeos. Também foi destacado, quanto ao 8 de janeiro, que "era uma questão de tempo, que os atos pacíficos da parcela da população que se mantiveram dentro dos limites da livre manifestação por mais de dois meses, descambassem para algo mais intenso, uma vez que se encontravam, de um lado e de outro, pessoas mais radicais cuja intenção passavam ao longe da pacificação social".

“Tratando-se de um Oficial Superior, com mais de 30 anos de serviço prestado a Força Terrestre, com experiência em situações de tensão, torna-se difícil acatar a alegação de desconhecimento do clima que se instalava naquela manifestação popular, sendo esclarecedora a linha do tempo trazida à colação pelo Ministério Público Militar, no que diz respeito à hora em que o réu afirma que chegou à Esplanada dos Ministérios naquele final de tarde do indigitado dia 8 de janeiro: a postagem das mensagens ocorreram entre 18h e 19h; o acusado chegou na Esplanada por volta das 17h30min, quando a mídia já noticiava os ato de vandalismo protagonizados por grupos de pessoas mal intencionadas que desvirtuaram o ato pacífico da maioria maciça dos manifestantes”, diz outro trecho da sentença.

Para o Conselho da Justiça Militar, ficou comprovado que os "impropérios" de Testoni repercutiram negativamente na imagem dos generais da ativa citados, "uma vez que seus nomes foram explorados publicamente como alvo de desunião entre o Quadro de Oficiais da Força Terrestre, o que causou tristeza e constrangimento".

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