Investigação

Vídeo mostra Bolsonaro cobrando reação de ministros antes das eleições de 2022

Em reunião ministerial realizada em 5 de julho de 2022, Bolsonaro admitiu derrota para Lula e cobrou envolvimento de todos para evitar votação para mantê-lo no poder

Por O Tempo Brasília
Publicado em 09 de fevereiro de 2024 | 08:07
 
 
 
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Vídeo apreendido pela Polícia Federal (PF) mostra o então presidente Jair Bolsonaro (PL) dizendo a todos os seus ministros que era necessário agir antes das eleições para que o Brasil não virasse “uma grande guerrilha”. A gravação é de uma reunião da alta cúpula do governo, realizada em 5 de julho de 2022, no Palácio do Planalto.

As imagens, divulgadas pelo colunista Bela Megale, do jornal O Globo, nesta sexta-feira (9), serviram de provas para a PF conseguir os mandados de busca, apreensão e prisão usados na operação desencadeada na quinta-feira (8) e que teve o ex-presidente, generais e o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, entre os alvos. Costa Neto foi preso porque, no cumprimento do mandado de busca e apreensão, agentes encontraram na casa dele uma arma sem registro.

Na reunião ministerial, Bolsonaro ordenou ação dos ministros para tentar reverter o quadro eleitoral, antes da realização do pleito. Aparentemente nervoso, o presidente disparou ofensas e palavrões, e chegou a jogar os óculos na mesa. Em um dos trechos divulgados, ele exige o envolvimento de todos numa campanha para desmoralizar o sistema eleitoral, admitindo que não iria vencer nas urnas, mesmo a quatro meses da votação.

“Nós sabemos que, se a gente reagir depois das eleições, vai ter um caos no Brasil, vai virar uma grande guerrilha, uma fogueira no Brasil. Agora, alguém tem dúvida que a esquerda, como está indo, vai ganhar as eleições? Não adianta eu ter 80% dos votos. Eles vão ganhar as eleições”, disse Bolsonaro.

Para impedir a, segundo ele, iminente vitória e posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Bolsonaro propôs a redação de um documento afirmando ser impossível “definir a lisura das eleições”. Ele cobra inclusive a inclusão da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) na tentativa de impedir a realização da eleição.

"Todos aqui têm uma inteligência bem acima da média. Todos aqui, como todo povo ali fora, têm algo a perder. Nós não podemos, pessoal, deixar chegar as eleições e acontecer o que está pintado, está pintado. Eu parei de falar em voto imp... e eleições há umas três semanas. Vocês estão vendo agora que... eu acho que chegaram à conclusão. A gente vai ter que fazer alguma coisa antes", emendou o então presidente.

Em um outro momento, mais irritado, ele cobra de forma mais contundente os ministros: "Vocês sabem o que está acontecendo. Achando que esses caras estão de brincadeira? 'Ah, vamos lá...' Não estão de brincadeira. O que está em jogo é o bem maior que nós temos e contamos aqui na terra, que é a porra da liberdade. Mais claro, impossível. Nós [inaudível] vamos ter que reagir".

Bolsonaro diz que TSE cometeu um erro ao convidar Forças Armadas 

Em outro trecho do vídeo, Bolsonaro diz que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cometeu um erro ao convidar as Forças Armadas para integrar a Comissão de Transparência das Eleições. A medida visava justamente afastar qualquer dúvida sobre a regularidade do sistema eleitoral brasileiro. 

“Eles erraram [ao incluir as Forças Armadas]. Para nós, foi excelente. Eles se esqueceram que sou o chefe supremo das Forças Armadas?”, afirmou o presidente, em meio aos ministros, que ouvem tudo calados.

Bolsonaro citou os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Disse que eles estavam “preparando tudo para o Lula ganhar no primeiro turno” – o petista venceu Bolsonaro no segundo turno.

“Alguém acredita em Fachin, Barroso e Alexandre de Moraes? Se acreditar levanta o braço. Acredita que são pessoas isentas, que tão preocupadas em fazer justiça, seguir a Constituição?”, disse. Ninguém se manifestou.

Em seguida, ele referiu-se à cadeira presidencial como uma “cagada”. E emendou: “cagada do bem”. "Como é que eu ganho uma eleição, um fodido como eu? Deputado do baixo clero, escrotizado dentro da Câmara, sacaneado, gozado, uma porra de um deputado", afirmou.

Heleno discursou e defendeu “virada de mesa” antes das eleições

Outro que falou em tom exaltado na mesma reunião foi o então ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno. Assim como Bolsonaro, ele disse que todos deveriam se envolver para evitar a realização da eleição presidencial. Falou em “virar a mesa”

“Não vai ter revisão do VAR. Então, o que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa é antes das eleições”, afirmou Heleno. VAR é o sistema de vídeo usado em jogos de futebol para revisar lances polêmicos, como pênaltis.

Também discursaram no mesmo encontro os então ministros da Justiça, Anderson Torres, e da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira. Nogueira afirmou que o TSE era “inimigo” do governo. Assim como Bolsonaro e Heleno, Torres e Nogueira foram alvos da operação de quinta-feira.

O que diz a PF sobre o vídeo e a suposta ‘organização criminosa’

Para a PF, as imagens, que têm mais de uma hora de duração, revelam “o arranjo de dinâmica golpista, no âmbito da alta cúpula do governo”. A descrição da reunião ocupa mais de 10 páginas da decisão assinada por Alexandre de Moraes e que resultou na operação Tempus Veritatus, deflagrada na quinta-feira. Ao todo, foram expedidos 33 mandados de busca e apreensão e quatro de prisão preventiva.

No relatório apresentado à PGR e ao STF, a PF enumerou os núcleos de atuação do grupo existentes e atuantes para operacionalizar medidas para desacreditar o processo eleitoral; planejamento e execução do golpe de Estado e  abolição do Estado Democrático de Direito; com a finalidade de manutenção e permanência de seu grupo no poder:

  • 1. Núcleo de desinformação e ataques ao sistema eleitoral

Forma de atuação: produção, divulgação e amplificação de notícias falsas quanto a lisura das eleições presidenciais de 2022 com a finalidade de estimular seguidores a permanecerem na frente de quartéis e instalações, das Forças Armadas, no intuito de criar o ambiente propício para o golpe de Estado.

  • 2. Núcleo responsável por incitar militares à aderirem ao golpe de Estado

Forma de atuação: eleição de alvos para amplificação de ataques pessoais contra militares em posição de comando que resistiam às investidas golpistas. Os ataques eram realizados a partir da difusão em múltiplos canais e através de influenciadores em posição de autoridade perante a "audiência" militar.

  • 3. Núcleo Jurídico

Forma de atuação: assessoramento e elaboração de minutas de decretos com fundamentação jurídica e doutrinária que atendessem aos interesses golpistas do grupo investigado. 

  • 4. Núcleo operacional de apoio às ações golpistas

Forma de atuação: a partir da coordenação e interlocução com o então ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, Mauro Cid, atuavam em reuniões de planejamento e execução de medidas no sentido de manter as manifestações em frente aos quartéis militares, incluindo a mobilização, logística e financiamento de militares das forças especiais em Brasília.

  • 5. Núcleo de inteligência paralela

Forma de atuação: coleta de dados e informações que pudessem auxiliar a tomada de decisões do então presidente na consumação do golpe de Estado. Monitoramento do itinerário, deslocamento e localização do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes e de possíveis outras autoridades da República com objetivo de captura e detenção quando da assinatura do decreto de golpe de Estado.

  • 6. Núcleo de oficiais de alta patente com influência e apoio a outros núcleos

Forma de atuação: utilizando-se da alta patente militar que detinham, agiram para influenciar e incitar apoio aos demais núcleos de atuação por meio do endosso de ações e medidas a serem adotadas para consumação do Golpe de Estado.

Mandados de busca e apreensão

  • Ailton Gonçalves Moraes Barros, capitão da reserva e ex-candidato a deputado estadual (PL-RJ);
  • Almir Garnier Santos; ex-comandante-geral da Marinha;
  • Amauri Feres Saad, advogado apontado pela CPMI do 8 de janeiro como autor da minuta golpista;
  • Anderson Torres, ex-ministro da Justiça;
  • Angelo Martins Denicoli, militar da reserva e ex-diretor do Departamento de Monitoramento e Avaliação do SUS;
  • Augusto Heleno, ex-ministro-chefe do GSI;
  • Bernardo Romão, coronel do Exército;
  • Cleverson Ney Magalhães, coronel do Exército e ex-oficial do Comando de Operações Terrestre;
  • Eder Lindsay Magalhães Balbino, empresário que teria ajudado a montar estudo apontando fraude nas urnas eletrônicas; 
  • Estevam Theophilo Gaspar de Oliveira, general e ex-chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército;
  • Filipe Martins, ex-assessor especial da Presidência da República;
  • Guilherme Marques Almeida, tenente-coronel e comandante do 1º Batalhão de Operações Psicológicas do Exército;
  • Hélio Ferreira Lima,  tenente-coronel do Exército;
  • José Eduardo de Oliveira e Silva, padre;
  • Laércio Virgílio, general de brigada reformado;
  • Marcelo Câmara, ex-ajudante de ordens;
  • Mario Fernandes, homem de confiança de Bolsonaro e comandante que ocupou cargos na Secretaria-Geral;
  • Paulo Sérgio Nogueira, general e ex-comandante do Exército;
  • Rafael Martins, major das Forças Especiais do Exército;
  • Ronald Ferreira de Araújo Júnior, oficial do Exército;
  • Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros, major do Exército;
  • Tércio Arnaud Tomaz, ex-assessor da Presidência da República;
  • Walter Braga Netto, general e candidato a vice de Bolsonaro.

Mandados de prisão

  • Bernardo Romão Corrêa Netto, coronel do Exército;
  • Filipe Martins, ex-assessor especial da Presidência da República;
  • Marcelo Câmara, ex-ajudante de ordens;
  • Rafael Martins, major das Forças Especiais do Exército.

Medidas cautelares que podem incluir apreensão de passaporte e/ou proibição de manter contato com os demais investigados

  • Ailton Gonçalves Moraes Barros, capitão da reserva e ex-candidato a deputado estadual (PL-RJ);
  • Almir Garnier Santos; ex-comandante-geral da Marinha;
  • Amauri Feres Saad, advogado apontado pela CPMI do 8 de janeiro como autor da minuta golpista;
  • Anderson Torres, ex-ministro da Justiça;
  • Angelo Martins Denicoli, militar da reserva e ex-diretor do Departamento de Monitoramento e Avaliação do SUS;
  • Augusto Heleno, ex-ministro-chefe do GSI;
  • Cleverson Ney Magalhães, coronel do Exército e ex-oficial do Comando de Operações Terrestre;
  • Eder Lindsay Magalhães Balbino, empresário que teria ajudado a montar estudo apontando fraude nas urnas eletrônicas; 
  • Estevam Theophilo Gaspar de Oliveira, general e ex-chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército;
  • Guilherme Marques Almeida, tenente-coronel e comandante do 1º Batalhão de Operações Psicológicas do Exército;
  • Hélio Ferreira Lima,  tenente-coronel do Exército;
  • Jair Messias Bolsonaro, ex-presidente da República;
  • José Eduardo de Oliveira e Silva, padre;
  • Laércio Virgílio, general de brigada reformado;
  • Mario Fernandes, homem de confiança de Bolsonaro e comandante que ocupou cargos na Secretaria-Geral;
  • Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho, blogueiro;
  • Paulo Sérgio Nogueira, general e ex-comandante do Exército;
  • Ronald Ferreira de Araújo Júnior, oficial do Exército;
  • Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros, major do Exército;
  • Tércio Arnaud Tomaz, ex-assessor da Presidência da República;
  • Walter Braga Netto, general e candidato a vice de Bolsonaro.
  • Suspensão do exercício de função pública
  • Cleverson Ney Magalhães, coronel do Exército e ex-oficial do Comando de Operações Terrestre;
  • Estevam Theophilo Gaspar de Oliveira, general e ex-chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército;
  • Guilherme Marques Almeida, tenente-coronel e comandante do 1º Batalhão de Operações Psicológicas do Exército;
  • Hélio Ferreira Lima,  tenente-coronel do Exército;
  • Mario Fernandes, homem de confiança de Bolsonaro e comandante que ocupou cargos na Secretaria-Geral;
  • Ronald Ferreira de Araújo Júnior, oficial do Exército;
  • Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros, major do Exército.

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