Imagine que maravilha viver num mundo onde a concretização de todos os nossos sonhos não tivesse limites. Se alguém quisesse uma Ferrari 250 GT que custa a bagatela de US$ 52 milhões, bastaria estalar os dedos e o carro apareceria na sua garagem. Se outro quisesse um apartamento de 500 m² na avenida Vieira Souto, de frente para o mar de Ipanema, colocaria a mão na cartola, e sairia, além do coelho, a escritura. Se uma pessoa quisesse realizar a viagem que sempre desejou, 50 dias na Europa em hotéis cinco estrelas e restaurantes no top do Guia Michelin, esfregaria a lâmpada maravilhosa de Aladim, e na mesa apareceriam as passagens e os vouchers para a realização do sonho. E aí vêm os chatos dos economistas, verdadeiros desmancha-prazeres, falar em um detalhe essencial chamado restrição orçamentária.

A linguagem dos economistas, na maioria das vezes, é hermética, quase incompreensível, mas esconde verdades muito simples. Qualquer cidadão sabe que não pode gastar indefinidamente mais que a renda familiar. Isso gera um buraco permanente no orçamento da família e agrava o endividamento. E quanto maior o abismo, maior os juros. E a dívida começa a crescer qual bola de neve. Resultado: venda do patrimônio para pagar dívidas, aperto crescente, perda de credibilidade indo parar no Serasa ou no SPC e, no fim, o estrangulamento financeiro total e a crise quase insolúvel. Assim também é com os governos e o país.

O Brasil tinha antes da pandemia uma situação fiscal gravíssima. Os demagogos e populistas acham que os gastos podem ser ilimitados. A dívida bruta brasileira era, antes do coronavírus, em 2019, 79,8% do Produto Interno Bruto (PIB). O déficit primário, que não leva em consideração as despesas financeiras, no ano de 2019 foi de R$ 95,1 bilhões. Felizmente, graças ao teto dos gastos, à recessão e à reforma da Previdência, os juros básicos (Selic) que incidem sobre a dívida pública estão hoje no menor patamar de sua história, 2,0%. Ou seja, quanto maior o nível de risco de calote, maior a taxa de juros.

Veio a pandemia, evento fora do controle, não planejado. Como todos os países do mundo, o Brasil ampliou o endividamento. Foi aberta uma inevitável bolha de ampliação dos gastos para bancar o auxílio emergencial, as despesas adicionais com o sistema de saúde, o crédito subsidiado às pequenas e médias empresas, as transferências compensatórias a Estados e municípios e o programa de sustentação do emprego para evitar demissões. Foi o chamado “orçamento de guerra”.

Como “não há almoço grátis”, a dívida subirá para o perigoso patamar de 100% do PIB, os prazos de rolagem da dívida estão se encurtando e o juro futuro crescendo, e o déficit primário que foi de R$ 95,1 bilhões em 2019 subirá para R$ 787,45 bilhões em 2020. No próximo ano, inevitavelmente teremos que retomar o teto de gastos e a responsabilidade fiscal, apesar das pressões políticas para que isso não aconteça.

O desafio é encontrar espaço orçamentário para financiar o programa de renda mínima permanente e os investimentos públicos para alavancar a retomada. Isso deve ocorrer não com aumento de impostos, revogação do teto ou mais endividamento, mas com a reforma administrativa cortando privilégios, com a reforma tributária aumentando a eficiência arrecadatória e com o corte de subsídios e incentivos injustificáveis.