BRASÍLIA – Após a decretação da prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), em 4 de agosto, apoiadores foram para frente do condomínio onde ele mora, em Brasília. Houve buzinaço, orações e a promessa de que lá permaneceriam até que ele fosse solto ou absolvido.

Anunciaram acampamentos também na porta das residências oficiais das presidências do Senado e da Câmara, para pressionar pela anistia a todos os envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023 e pelo impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Desde então, nada foi adiante, a não ser a marcação do julgamento do ex-presidente e outros sete réus por suposta tentativa de golpe de Estado, que começará em 2 de setembro.

Desde o último sábado (16/8), quando Bolsonaro saiu para exames em um hospital particular, com autorização de Moraes, nenhum apoiador do ex-presidente apareceu na frente do condomínio onde ele mora, segundo moradores e funcionários do Solar de Brasília, que fica na região administrativa do Jardim Botânico, área nobre da capital tomada por dezenas de condomínios horizontais. Na ida de Bolsonaro ao hospital, 10 apoiadores dele apareceram em frente à unidade de saúde, com bandeiras do Brasil, de Israel e cartazes escritos em inglês e português. A jornalistas, disseram que fariam vigília em frente ao condomínio do líder político.

Uma equipe de O TEMPO Brasília esteve no Solar de Brasília na segunda (18/8) e terça-feira (19/8). Só encontrou a calmaria habitual do lugar. Apoiadores do ex-presidente também não apareceram na frente das residências oficiais do Senado e da Câmara. Tampouco continuaram com as carretas e buzinaços, que realizaram na Esplanada dos Ministérios nos três primeiros dias de prisão domiciliar de Bolsonaro. A Praça dos Três Poderes foi cercada com grades desde que o deputado federal Hélio Lopes (PL-RJ) tentou estabelecer um acampamento, ainda no fim de julho.

Aluguel de Bolsonaro é peago pelo PL

A casa onde Bolsonaro mora é alugada, paga pelo PL, partido que tem ele como presidente de honra. Ela fica a cerca de 10km (20 minutos de carro, dependendo do fluxo) do Congresso Nacional. Bolsonaro e família chegaram a morar em outro imóvel no mesmo condomínio.

Em novembro de 2024, após reclamar do pouco espaço e da falta de privacidade devido à curiosidade dos vizinhos, o ex-presidente mudou para a residência atual, onde a Polícia Federal (PF) cumpriu a ordem judicial de Moraes em 4 de agosto. Desde então, ele só saiu de lá para fazer os exames, que não apontaram nada de grave.

Nessas duas semanas de prisão domiciliar, Bolsonaro recebeu discretas visitas de aliados políticos. A exceção foi o líder da oposição na Câmara, deputado federal Luciano Zucco (PL-RS), que foi repreendido pela ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro após o parlamentar anunciar, em redes sociais, que faria um churrasco para o ex-presidente na casa dele.

“A visita tinha caráter restrito, breve e voltado exclusivamente a fins humanitários — e não conforme divulgado pelo parlamentar em vídeo, no qual, ao deixar sua residência, afirmou que realizaria um churrasco em minha casa. Tal evento não ocorreu”, escreveu Michelle em rede social.

Vizinhos disseram ao O TEMPO Brasília que nunca houve sinal de churrasco na casa do ex-presidente nessas duas semanas de prisão domiciliar. O único movimento que aumentou na frente da residência foi o de vigilantes do condomínio que fazem rondas em motos. O conjunto de casas de alto padrão, dividido em três quadras (quarteirões) interligadas, ganhou mais câmeras de vigilância, mas isso já estava previsto antes da medida de Moraes contra Bolsonaro. Os moradores com as tags em carros e os rostos cadastrados têm acesso a todas as quadras. Visitantes continuam precisando de autorização para adentrar, mediante identificação.

Mas nem há mais jornalistas de plantão em frente ao Solar de Brasília. A movimentação dos profissionais de imprensa e, principalmente, o barulho dos apoiadores de Bolsonaro, que promoveram carreatas, buzinaços e até soltaram foguetes em frente ao residencial, foram motivo de muitas e exaltadas queixas dos moradores do condomínio. Reportagens de O TEMPO Brasília revelaram conteúdos do grupo de Whatsapp do Solar de Brasília, com posicionamentos ideológicos e a preocupação com o acampamento de bolsonaristas, que não ocorreu. 

Na rota das duas pistas de pouso e decolagem do aeroporto de Brasília, os moradores do Solar de Brasília por enquanto voltaram a se queixar apenas do barulho das turbinas dos aviões comerciais, que nos horários de maior tráfego passam em intervalos de dois a três minutos sobre as casas do condomínio.

O Solar de Brasília fica ao lado do Centro Hípico Lago Sul, onde há uma creche particular e muita área verde. A menos de 50 metros do condomínio e da hípica há uma área com cerrado nativo, onde ouvem-se pássaros cantando o dia inteiro e quero-queros andam pela vegetação rasteira à procura de insetos. 

Confira abaixo detalhes do residencial onde Bolsonaro mora e cumpre a prisão domiciliar:

  • Cada imóvel do condomínio Solar de Brasília precisa pagar uma taxa mensal de R$ 976 ou R$ 887 (valores a serem quitados até o dia 5 do mês) para manutenção das áreas comuns;
  • Cada quadra tem ao menos um parque infantil. Há uma área grande de convivência na quadra 2, com campo de futebol gramado, rampas de skate, quadra de futsal, basquete e tênis e outra de areia para vôlei. Há  ainda churrasqueiras;
  • O síndico está no início do mandato e tem investido em eventos para unir os moradores. Entre outros, já realizou festas para comemorar o Dia das Mães, dos Pais e o período junino; 
  • A festa de Halloween é tradicional no condomínio. Recentemente, o síndico criou um happy hour às sextas-feiras, com comidas e bebidas vendidas em food trucks.

Doceira amiga e “ginástica para o cérebro”

Colado ao muro da entrada principal do Solar de Brasília há um centro comercial com seis prédios de três pavimentos e subsolos, além de amplo estacionamento gratuito voltado ao clientes. Entre outros, há padaria, tabacaria, sorveteria, drogarias, restaurante, lavanderia, barbearias, agência bancária, espaços para pilates, costureira, clínicas odontológicas, clínica para exames laboratoriais, pequenas unidades de faculdades particulares e até “ginástica para o cérebro”, que promete melhorar a concentração, a memória, o raciocínio e a autoestima.

Já em frente à entrada principal, fica a fábrica da Maria Amélia Doces, entre um templo evangélico e uma igreja católica. Foi da Maria Amélia que saiu um bolo com pasta na cor verde e decorado com fotos de Bolsonaro e dos filhos, em homenagem ao Dia dos Pais. O doce foi entregue a Michelle, na entrada do Solar de Brasília, na manhã de 10 de agosto.

A empresária Maria Amélia Campos, dona da Maria Amélia Doces, organiza as festas da família Bolsonaro. Durante o mandato do ex-presidente, ela presenteava os Bolsonaros com bolos estilizados em festas no Alvorada.

Foi a Maria Amélia que fez o bolo temático de revólver entregue ao deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) para comemorar os 38 anos dele, em 10 de julho de 2022. A iguaria foi encomendada pela esposa de Eduardo, Heloisa, que publicou fotos do casal e da filha com o bolo.

No dia anterior, Eduardo participou do Encontro Nacional pela Liberdade Proarmas, promovido pelo movimento de mesmo nome, na Esplanada dos Ministérios. Entre 2019 e 2022, parlamentares apresentaram 296 projetos de lei ligados ao tema na Câmara. O número demonstra que o mandato de Jair Bolsonaro foi o período com maior apresentação de projetos sobre o assunto desde 1993 — data mais antiga na página de busca do órgão.

A  foto da comemoração do aniversário de Eduardo com o bolo de arma veio a público em meio à repercussão do assassinato do guarda municipal petista Marcelo Arruda em Foz do Iguaçu, no Paraná, em 9 julho de 2022. Ele foi morto pelo policial penal bolsonarista federal Jorge Guaranho, que invadiu o local da festa – com temática do PT e do então candidato Lula – gritando palavras de ordem favoráveis ao então presidente Bolsonaro. Em fevereiro de 2025, Guaranho foi condenado a 20 anos de prisão por matar Arruda. A sentença é de homicídio duplamente qualificado, por motivo torpe e por colocar outras pessoas em risco. 

Inquéritos no STF

Já Eduardo Bolsonaro se mudou para os Estados Unidos em março dizendo que só retornaria ao Brasil após conseguir o impeachment de Alexandre de Moraes e a liberdade do pai, Jair Bolsonaro. O parlamentar conseguiu que o governo de Donald Trump impusesse sanções a Moraes e outros ministros. O presidente norte-americano também impôs tarifas de 50% a produtos brasileiros, sob alegação de defender o aliado Jair Bolsonaro contra o judiciário brasileiro de uma suposta “perseguição”.

Por outro lado, as ações de Trump e Eduardo não impediram o STF de  marcar para 2 de setembro o início do julgamento de Bolsonaro e dos outros sete réus. A expectativa é que a ação seja analisada até 12 de setembro. O Supremo ainda abriu outro inquérito contra Eduardo e o pai, por causa da atuação do deputado nos EUA.

A decisão atendeu a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR). Ela apontou que Eduardo tem reiteradamente feito declarações públicas e postagens em redes sociais em que afirma estar atuando para que o governo norte-americano imponha sanções a ministros do STF e a integrantes da PGR e da PF pelo que considera ser uma perseguição política a ele e a seu pai. 

De acordo com a representação criminal do Ministério Público, as manifestações têm tom intimidatório e vêm se intensificando à medida em que avança a tramitação da ação penal em que o ex-presidente é acusado de liderar uma organização criminosa para atentar contra o Estado democrático de direito após as eleições de 2022. Também aponta a pretensão do parlamentar de perturbar os trabalhos técnicos desenvolvidos no inquérito das fake news, que apura ataques ao STF e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Moraes mandou a PF monitorar conteúdos publicados por Eduardo Bolsonaro nas redes sociais e colher o testemunho do ex-presidente, que declarou ser responsável financeiro pela manutenção de seu filho nos EUA. Dois meses depois, Moraes decretou a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro, por considerar que ele violou a medida cautelar que o proibia de usar as redes sociais, inclusive por meio de terceiros, ao participar remotamente de manifestações contra o STF em 3 de agosto de 2025.

Jair Bolsonaro discursou em Copacabana pelo celular do filho Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e teve a imagem pelo celular exibida também em São Paulo pelo deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), além da postagem do vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (PL), outro filho do ex-presidente. O ministro do STF apontou descumprimento deliberado por Bolsonaro das medidas restritivas, a última vez durante os atos de 3 de agosto. Para o ministro, houve uma “atuação coordenada dos filhos de Jair Messias Bolsonaro a partir de mensagens de ataques ao Supremo Tribunal Federal, com o evidente intuito de interferir no julgamento da AP 2.668/DF (ação penal do golpe de Estado)”.