No último sábado, procurei demonstrar que a democracia é o império da liberdade e da Constituição. Pressupõe a convivência de todos com a pluralidade, num ambiente de tolerância e respeito recíproco. O poder, na democracia, não é absoluto, e existem freios e contrapesos para evitar que a maioria eventual aniquile politicamente a minoria, objetivo número 1 de todos os ditadores.
O Parlamento é a própria tradução e o símbolo da democracia.
Apenas três falas de Tancredo Neves são suficientes para definir a convivência com a divergência e a centralidade do Parlamento: “Cada governo tem a oposição que merece. A um governo duro, intransigente e intolerante corresponde sempre uma oposição apaixonada, veemente e destrutiva”. “Não são os homens, mas as ideias que brigam”. “Fico mais feliz quando consigo um acordo entre partes contrárias que quando venço um adversário”. É preciso dizer mais?
A primeira preocupação de qualquer ditador é esvaziar o Parlamento. É fácil perceber isso na dualidade de poder instalada na Venezuela, onde o governo chavista quer anular o poder da Assembleia Nacional. E o que dizer do Congresso Nacional do Povo na China, da Assembleia Nacional do Poder Popular em Cuba e da Assembleia Popular Suprema da Coreia do Norte? Todos subservientes aos seus respectivos partidos comunistas.
Nos países de democracia avançada, a questão da formação de maioria e sua interface com a governabilidade também têm sido um grande desafio.
Na Alemanha, Angela Merkel levou seis meses para formar um governo estável, num Parlamento com sete partidos, assim mesmo precisando construir um programa comum com a social-democracia, seu histórico e maior opositor, diante do crescimento de uma extrema direita voraz.
Na Itália, diante de um Parlamento com quatro blocos e 11 partidos, a governabilidade foi estabelecida por uma exótica aliança entre os populistas do Movimento 5 Estrelas, a extrema direita da Liga do Norte e a centro-direita da Forza Italia.
Em Portugal, mesmo com o PSD (centro-direita) chegando em primeiro lugar nas eleições, num Parlamento com sete partidos, a maioria para governar foi formada pela caricatura que ganhou o apelido de “Geringonça”, uma aliança entre socialistas, comunistas e bloco de esquerda (uma espécie de PSOL). Há um acordo para governar, mas, nas ruas, o pau quebra entre eles.
E o que dizer do impasse do Brexit, no Reino Unido, onde a primeira-ministra, Thereza May, não consegue formar maioria para aprovar as regras de saída da União Europeia, gerando instabilidade e incerteza?
Em resumo, gestão eficaz exige maioria parlamentar.
O governo Bolsonaro ainda é uma grande incógnita. O afastamento involuntário do presidente e as divergências entre os núcleos econômico, familiar, militar, ideológico, jurídico e parlamentar deixam mais dúvidas do que certezas. Há uma agenda nacional complexa e polêmica inevitável a ser enfrentada: reformas da Previdência e tributária, política de segurança e combate à corrupção, privatizações, novo pacto federativo etc. Muitas decisões dependerão do apoio de três quinto dos congressistas. Com 30 partidos presentes no Congresso e as características políticas do governo eleito, não será nada fácil a construção de maioria.
Fortes emoções nos aguardam neste já turbulento ano de 2019!