NOVO MINISTRO

Mendonça modera conservadorismo em sabatina, mas postura no STF pode mudar

Especialistas analisam declarações de André Mendonça durante sabatina no Senado sobre casamento civil homoafetivo e liberdade de expressão

Por Luana Melody Brasil
Publicado em 01 de dezembro de 2021 | 16:09
 
 
 
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O advogado e pastor presbiteriano André Mendonça foi aprovado, por 47 votos a 32, na sabatina realizada nesta quarta-feira (1) no Senado para assumir a vaga no Supremo Tribunal Federal (STF). 

Conhecido por apoiar a pauta conservadora nos costumes e por decisões que colocaram em dúvida sua isenção ideológica e religiosa na Corte, a sabatina do ex-Advogado Geral da União (AGU) e ex-ministro da Justiça do governo do presidente Jair Bolsonaro foi marcada por argumentos mais moderados no conservadorismo. 

Mendonça foi indicado por Bolsonaro por ser considerado “terrivelmente evangélico”. O presidente chegou a afirmar em evento religioso realizado em Roraima que pediu a Mendonça para que inicie as sessões na Corte com uma oração cristã.  

"Pedi para ele, 'quero que toda semana você comece a primeira sessão com uma oração dentro do Supremo Tribunal Federal, que você leve a mensagem que todos nós queremos'", disse Bolsonaro. "Não quero perseguir ninguém dentro do STF, queremos levar a paz e equilíbrio", acrescentou.

O presidente ainda mencionou que Mendonça poderá favorecer pautas conservadoras dentro do Supremo, ao citar o caso de uma ação movida no STF contra lei estadual de Santa Catarina que obriga bibliotecas públicas a disponibilizarem a bíblia cristã. O argumento da denúncia é o princípio da laicidade do Estado.

A demora de quatro meses na marcação da sabatina de Mendonça, que foi indicado por Bolsonaro em julho, tem lastro no receio do senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), quanto à postura religiosa do pastor presbiteriano. 

Na avaliação de especialistas consultados pela reportagem de O TEMPO, Mendonça foi inteligente ao moderar seus posicionamentos na sabatina. 

“As falas dele são muito certeiras, tentou agradar os ouvidos de todos que o ouviram. Ele é extremamente preparado e inteligente, sabe o que falar para conseguir aprovação. Mendonça teve que se 'ajoelhar' aos pés dos senadores para que a sabatina fosse marcada e para que o nome dele não fosse rejeitado”, observa Nauê de Azevedo, cientista político, advogado e sócio do escritório Pinheiro de Azevedo Advocacia.

Para Marilene Matos, professora especializada em direito administrativo e constitucional e presidente da Comissão Nacional de Direito Administrativo da Associação Brasileira de Advogados, o principal interesse do sabatinado é ser aprovado. “Uma vez que esteja no Supremo, as posições podem ser outras. Ele não tem vinculação com o que falou na sabatina”, pontua.

Sem pregações evangélicas no STF

Durante a sabatina, Mendonça falou que vai respeitar o princípio da laicidade do Estado. “Ainda que eu seja genuinamente evangélico, entendo não haver espaço para manifestação pública religiosa no STF. A Constituição é e deve ser o fundamento para qualquer decisão por parte de um ministro do Supremo. Como tenho dito quanto a mim mesmo: na vida, a Bíblia; no Supremo, a Constituição”, disse. 

"Me comprometo com o Estado laico. Considerando discussões havidas em função de minha condição religiosa, faz-se importante ressaltar a minha defesa do Estado laico. A Igreja Presbiteriana, a qual pertenço, uma das diversas igrejas evangélicas de nosso País, nasceu no contexto da reforma protestante, tendo como uma de suas marcas justamente a defesa da separação entre igreja e Estado", pontuou Mendonça.

De acordo com Matos, a laicidade do Estado significa tolerância religiosa e o não favorecimento de determinadas religiões em detrimento de outras. 

“Pegou muito mal uma manifestação do Mendonça em que ele citou a bíblia cristã num julgamento. Por isso agora ele tenta demonstrar que vai respeitar a laicidade do Estado enquanto ministro do Supremo”, observa a especialista em referência ao período em que Mendonça estava na AGU, quando ele citou a bíblia cristã algumas vezes para defender a liberação de cultos religiosos durante a pandemia de Covid-19.

Pouco depois de ser anunciada a aprovação da indicação de Mendonça, ele declarou à imprensa que a decisão dos senadores "foi um salto para os evangélicos", contradizendo o que afirmou durante a sabatina e confirmando a previsão de Azevedo e Matos. 

“A primeira reação foi dar glórias a Deus por essa vitória. É um passo para um homem, mas na história dos evangélicos do Brasil, é um salto. Um passo para o homem, um salto para os evangélicos”, disse Mendonça em pronunciamento após a sessão no Plenário do Senado. 

Retórica em defesa da liberdade de expressão

Ainda em seu pronunciamento inicial, o ex-ministro da Justiça se comprometeu com a defesa da liberdade de imprensa e de expressão,  mas afirmou que esta última não pode ser confundida com “autorização para ameaças”. 

“Não compactuar ou confundir liberdade de expressão com autorização para ameaças ou ofensas à honra das pessoas ou instituições democráticas do nosso país”, declarou. “Nesses casos, a própria lei penal e a lei civil trazem a possibilidade de fazer a recomposição dos danos ou da honra alcançada”, afirmou.

A alegação contrasta com o período em que atuou como ministro da Justiça. Mendonça foi autor de pedidos de investigação contra críticos do governo usando como base a Lei de Segurança Nacional (LSN), um resquício da ditadura militar, revogada neste ano.

Segundo Mendonça, se ele não tivesse agido em defesa da honra do presidente da República, que se sentiu ofendido pelos críticos, teria incorrido em “prevaricação”.

Nessa mesma gestão da pasta foi produzido um relatório de monitoramento de servidores públicos e professores acusados de integrar um “movimento antifascista”. 

“Sobre liberdade de expressão, as declarações do Mendonça são muito abertas. Nesse ponto da censura prévia, me parece uma sinalização bastante sutil às alas mais radicais que atacam as instituições e estão sob a mira não só do Supremo, mas também no TSE [Tribunal Superior Eleitoral]. Ele pode não compactuar com o posicionamento da Corte em casos como o inquérito das notícias falsas, por exemplo”, nota Azevedo, que é mestrando em Direito Constitucional pelo IDP e em Direito Privado pela Università degli Studi 'Mediterranea' di Reggio Calabria, na Itália.

Matos explica a polêmica em torno da LSN: “A Lei de Segurança Nacional é polêmica porque é muito subjetiva, qualquer coisa pode afetar a segurança nacional. Se nas redes sociais alguém fala que o governo conduz mal o país, teoricamente essa pessoa pode ser processada com base na LSN porque está atentando contra a credibilidade do presidente da República”. 

“A LSN prevê pena de prisão. É uma lei de caráter penal. No Código Penal, o crime de matar alguém, no artigo 121, não deixa dúvida, é crime tirar a vida de outra pessoa. Já os crimes previstos na LSN estão no limbo, pois na concepção de um conservador pode significar uma coisa, para um militar, um moderado ou progressista significa outra coisa. Falta objetividade”, complementa a especialista.

Matos lembra do caso do deputado Daniel Silveira, no qual foi aplicada a LSN sob a justificativa de que o parlamentar atentava contra as instituições ao pregar o fechamento delas. “Ao mesmo tempo, se aplica essa mesma lei para alguém que critica o presidente da República. Porém, uma coisa é criticar uma autoridade pública, outra coisa é defender o fechamento do Congresso e do STF. São situações diferentes em que usam o mesmo parâmetro”, pondera a especialista.

Para Matos, é cada vez mais frequente a discussão sobre os limites à liberdade de expressão. “Esse é um assunto bastante relevante. Temos o inquérito [no STF] das fake news, se discute o que é a liberdade de expressão. É possível falar publicamente que quer de volta a ditadura no país? Mas não se pode pregar ditadura e fechamento de instituições em nome da liberdade de expressão, ela não abriga isso”, destaca.

Posicionamento sobre união homoafetiva

Em outro momento da sabatina, Mendonça foi questionado pelo senador Fabiano Contarato (Rede-ES) sobre como se posicionaria num eventual novo julgamento do casamento civil homoafetivo.

“Se hoje estivesse sendo julgado, deliberado o reconhecimento do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, e estivesse empatado em 5 a 5, V. Exa., como ministro, votaria a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo ou não?”, questionou o senador. 

Mendonça divagou, mas disse que respeita as famílias homossexuais, sem distinção de direitos e obrigações em relação às demais. “Espere de mim não compactuar com discriminação, como diz o próprio texto da Constituição. E, aqui, permita-me englobar todos os direitos da comunidade LGBTIA+, indígena, quilombola, das mulheres, dos idosos, das crianças de buscar garantir esses direitos”, disse. 

“Eu tenho a minha concepção de fé específica; agora, como magistrado da Suprema Corte, isso tem que estar abstraído, eu tenho que me pautar pela Constituição. [...] Eu defenderei o direito constitucional do casamento civil das pessoas do mesmo sexo”, acrescentou Mendonça.

“A questão do casamento homoafetivo tem dois lados. O casamento civil é um contrato com o Estado que garante determinados direitos e deveres. A rigor, é isso. Quando Mendonça diz que vai defender o casamento civil, não está envolvendo as instituições religiosas, este é um ponto de embate”, nota Azevedo.

Segundo Matos, é majoritária no país uma posição mais conservadora quanto à união homoafetiva, o que explica a falta de uma lei que garanta esse direito à população LGBTQI+. 

“Se entende que há uma espécie de ativismo do Judiciário, porque foi no Judiciário e não no Legislativo que as pessoas do mesmo sexo tiveram seu direito ao casamento civil reconhecido. Foi objeto de crítica dos setores conservadores, consideraram que o Supremo tinha ultrapassado limites e por isso foi 'ativista'”, explica a especialista. 

O STF determinou, em maio de 2011, o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar e equiparando a união estável de casais heterossexuais aos casais homossexuais. 

Reforçando esse entendimento, em 2013 o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu uma resolução proibindo que cartórios vetassem o casamento ou a conversão de união estável em casamento civil para pessoas do mesmo sexo.

“Quando o STF reconheceu e assegurou o direito à união homoafetiva, foi com base no princípio da isonomia. Segundo esse princípio, é preciso dar o mesmo tratamento para situações parecidas ou iguais. Entendeu-se que a união entre pessoas do mesmo sexo não se difere, na essência, da união entre homem e mulher. O outro argumento mobilizado foi que esse não reconhecimento é contra a dignidade da pessoa humana, porque essas uniões já existiam mas não eram reconhecidas pelo Estado”, esclarece Matos.

A especialista explica que a ausência desse direito para uniões homoafetivas provoca vários transtornos, como a falta do direito a receber herança ou pensão por falecimento de um dos cônjuges e impedimento na inclusão do parceiro ou da parceira no plano de saúde, por exemplo. 

“Esse direito foi reconhecido pelo Supremo, mas como não tem uma lei garantindo, ninguém assegura que daqui a cinco ou menos anos o STF não vai mudar de posição, como ele mudou em relação à prisão em segunda instância. Modificando a composição da Corte, a qualquer momento pode haver outra discussão sobre a união homoafetiva. É difícil acontecer, mas enquanto não tem lei, a discussão está aberta”, nota Matos.

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