O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, pretende enviar ao Congresso, neste mês, um conjunto de propostas em defesa do Estado Democrático de Direito. A medida, chamada de “Pacote da Democracia”, tem dividido as opiniões de parlamentares e juristas.
A intenção do governo federal é dar resposta às invasões aos prédios dos Três Poderes, no dia 8 de janeiro, em Brasília. Para isso, o ministro pretende apresentar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), uma Medida Provisória (MP) e dois projetos de lei, que têm a finalidade principalmente as penas de crimes contra o Estado democrático de direito.
Entre as propostas está o envio de uma PEC que pretende criar uma Guarda Nacional permanente. Outra medida, que deve vir em forma de Projeto de Lei, prevê o aumento da pena para organizadores e financiadores de atos antidemocráticos.
A proposta mais polêmica é a medida provisória que pretende criminalizar ataques à democracia feitos pela internet e responsabilizar as plataformas online que não agirem para excluir publicações.
Em coletiva de imprensa na última semana, Flávio Dino afirmou que pretende debater o tema com outros órgãos do governo, como a Advocacia-Geral da União e o Ministério da Casa Civil. Mas, segundo o ministro, a intenção é que as propostas não sejam extensas e complexas para que a tramitação no Congresso seja célere.
Censura x Democracia
Na avaliação de Nuno Rebelo, professor de direito constitucional e de teoria geral do estado, Nuno Rebelo, a atual legislação já é suficiente para garantir o Estado democrático de direito. Ele considera "temerário" um governo que "regula direitos ou agrava penas em nome da democracia".
"Entendo que a medida é desnecessária a começar que não é prudente a alteração de leis em períodos tensos e com viés político-partidário, pela atual capacidade de articulação. É perigoso deixar que aquele que está no poder defina o que é antidemocrático. Leis traduzem a vontade popular. Sempre que há divergência de entendimentos jurídicos sobre determinado tema é prudente agir com cautela e parcimônia", analisa o professor, que também é contra a criação de uma Guarda Nacional.
"O 'acastelamento' dos agentes políticos do país é prejudicial para o exercício da democracia, primeiro pelo afastamento e bloqueios provocados, segundo por desmotivar a livre participação popular nos atos legítimos de expressão em manifestações", pondera.
Segundo Rebelo, o ideal é que se eduque "a população a viver em democracia". "Democracia não é aquilo que os governos digam ser, mas sim um regime de proteção às garantias individuais, de inclusão e de tolerância às diversidades, aos diferentes, com capacidade de tutelar convivência social ordeira de seus plurais".
Governo.
Aprovação. Procurado, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) não informou se já finalizou as propostas e nem disse quando pretende enviá-las ao Congresso. Em nota, a pasta afirmou que não irá se manifestar sobre medidas "até que as minutas sejam apreciadas pela Presidência da República".
OAB-SP é contrária e pede discussão
A seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) se manifestou nesta semana sobre o pacote proposto pelo governo Lula e defendeu que haja mais debate sobre as medidas. A entidade é contra, principalmente, a proposta de uma Medida Provisória que pretende criminalizar condutas na internet que configurem a prática de atentado contra o Estado democrático de direito.
A presidente do Observatório da Democracia da OAB-MG, Carolina Lobo, concorda. Segundo a especialista, medidas de proteção da democracia são sempre bem-vindas, mas é preciso que haja diálogo e tempo para que ocorra qualquer alteração legal.
“É um consenso que precisamos de medidas para a defesa da democracia, eu vejo com bons olhos. Precisamos represar atos como o do dia 8 de janeiro e combater notícias falsas como já vem acontecendo nas três últimas eleições. Por outro lado, a discussão precisa ser ampla e todos os envolvidos, inclusive, a população, precisa ser ouvida. Uma medida provisória não é o instrumento mais adequado para garantir o nível de debate”, argumenta a advogada, que defende, no entanto, o modelo como as demais propostas previstas no 'pacote da democracia’ serão discutidas.
“A questão da Guarda ao meu ver é muito bem vinda e a forma como ela vai ser apresentada abre espaço para o diálogo qualificado. Uma PEC demanda a aprovação de uma maioria. Em relação ao aumento da pena e da tipificação, eu entendo que um projeto de lei permite um debate qualificado, é uma proposta que passa por comissões, garantindo o esgotando do diálogo”, completa.
Debate está acirrado em Brasília
No que depender dos parlamentares, em Brasília, o debate da proposta também será acirrado. Na avaliação do deputado federal Nikolas Ferreira (PL), o pacote proposto pelo governo federal tem poucas chances de ter sucesso no Congresso. Segundo ele, as medidas estão longe de serem democráticas.
"Na verdade, esse é um pacote da tirania, uma vez que querem calar os opositores, querem impedir a liberdade de expressão. É como colocar uma mordaça em quem discorda. Não é dessa forma que a democracia anda e se estabelece. As pessoas não vão aceitar isso e acredito que muito menos o Congresso aceite. Vamos trabalhar para que esse tipo de imposição do executivo não passe no legislativo", pontua o parlamentar.
O deputado federal Reginaldo Lopes (PT) discorda dos críticos à proposta. Segundo ele, “o pacote pretende fortalecer a democracia e suas instituições". De acordo com o deputado Rogério Correia (PT), as medidas propostas pelo governo federal já eram um compromisso de campanha do presidente Lula. Para ele, o projeto tem como objetivo combater as fakes news e dar maior punição para quem atentar contra o processo democrático. O parlamentar acredita que as medidas serão aprovadas ainda no primeiro semestre deste ano.
"Ao invés de centralizar o poder como os adversários têm dito e cortar as as liberdades individuais, o que se pretende fazer é garantir a liberdade política. Você não pode ter liberdade individual para ferir a democracia ou pregar o golpe. O pacote é positivo e acho que cresceu dentro da Câmara os que são favoráveis à proposta. Retirando a ultra direita, o restante (dos parlamentares) sabe que é importante fortalecer esse processo democrático", avaliou Correia.
‘Pacote da Democracia’
Entenda as principais medidas sugeridas no plano proposto pelo governo federal
- Guarda Nacional Permanente
Substituiria a Força Nacional, que atua em missões temporárias. Atuaria na proteção de prédios públicos federais em Brasília e em operações especiais em terras indígenas, área de fronteira, unidades de conservação e apoio à segurança dos estados. Hoje, a segurança da praça dos Três Poderes é realizada pela PM do DF.
- Penas mais duras
Aumenta penas para organizadores e financiadores de atos antidemocráticos e cria novos crimes, como o de atentado contra a vida dos presidentes da República, do Supremo Tribunal Federal, Câmara e Senado. Aumenta a pena e torna mais ágil a perda de bens de envolvidos em crimes contra o Estado democrático de direito - não há detalhamento sobre os dois pontos.
- Internet
Criminaliza ataques à democracia na internet e responsabilizar as plataformas online que não excluírem publicações antidemocráticas..