A autenticidade e os valores de obras de arte apreendidas pela Polícia Federal (PF) nos últimos anos sempre geraram controvérsias dentro da própria corporação. Isso porque a produção dos laudos para a Justiça não foi considerada ideal pelos próprios profissionais. Por isso, uma parceria entre a PF e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) pretende aparar essa aresta.

Segundo o diretor técnico-científico da PF, Fábio Salvador, a prática anterior era a de recorrer a especialistas em arte externos ao órgão, que era obrigado a referendar trabalhos que não deixavam a área da perícia segura. “Essa prática nada científica é que chamou atenção de uma nova geração de peritos”, afirma Salvador. Outra preocupação é o aumento das demandas do tipo. Só no último ano, chegaram à instituição cerca de 300 solicitações de análises, diz o diretor.

Para enfrentar essas dificuldades, a corporação firmou essa parceria com os especialistas do Laboratório de Ciência da Conservação (Lacicor) da UFMG, para desenvolver um projeto de criação de unidades especializadas no exame de obras de arte.

O chefe do laboratório da universidade, Luiz Souza, conta que a colaboração com autoridades começou com um caso no Rio de Janeiro, em 1995, quando o marchand Giuseppi Irlandini foi investigado sob a acusação de possuir quadros falsos de autores famosos, como Portinari. O trabalho de Souza e seus colegas permitiu constatar que várias obras não eram autênticas.

A aliança com a UFMG também permitirá que a PF tenha acesso aos dados de redes internacionais de análise e conservação das quais a universidade faz parte, como a europeia Iperion-CH (Plataforma Integrada da Infraestrutura Europeia de Pesquisa sobre Herança Cultural, em português).

Para financiar os trabalhos da parceria, a PF pediu verbas de cerca de R$ 9 milhões ao Fundo Nacional de Direitos Difusos. Salvador afirma que a estratégia será a de priorizar as obras aparentemente mais caras e realizar estimativas menos sofisticadas em peças consideradas de menor valor. Segundo ele, o plano é ter uma base gerencial em Brasília e unidades operacionais associadas a museus e instituições que possam realizar a guarda e conservação das obras.

Obstáculo

Essa dificuldade já levou muitas equipes da PF a deixar de apreender esse tipo de bem no passado, conforme o juiz do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) Fausto De Sanctis, que se dedicou à área quando ainda era juiz na primeira instância, em São Paulo. Segundo o magistrado, a confidencialidade desse mercado ajuda os criminosos. “Quem vende não gosta de mostrar que está se desfazendo de patrimônio, pode parecer que está em dificuldade financeira”, disse.

Outro problema é que em muitos casos as peças são fáceis de transportar, e a maioria dos agentes de fronteira não tem conhecimento técnico sobre obras de arte. Sanctis diz que a legislação brasileira é adequada para o combate à lavagem de dinheiro com peças artísticas, mas muitos agentes do mercado não a cumprem.

De acordo com a lei, todos aqueles que comercializem joias, pedras e metais preciosos, objetos de arte e antiguidades devem manter registros detalhados de suas operações e comunicar o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) em caso de situações suspeitas.

Uma recente operação da Lava Jato, deflagrada em setembro, bateu à porta de uma importante galeria de arte, a Almeida e Dale. Ela foi alvo de uma medida de busca e apreensão sob suspeita de ter participado de um esquema de lavagem de dinheiro originada em uma subsidiária da Petrobras, a Transpetro.