A batalha de palavras entre o ex-ministro e ex-governador do Ceará, Ciro Gomes (PDT) e representantes do PT, em especial os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, esquentou nos últimos dias. As desavenças não deveriam pegar ninguém de surpresa nem causar estranhamento. Afinal, eles são adversários frontais desde meados de 2018. Naquela época, o PT esvaziou as alianças de Ciro e ele, por sua vez, rejeitou subir no palanque de Fernando Haddad no segundo turno. A guerra nas redes sociais e em entrevistas à imprensa, porém, tende a prejudicar mais o PT do que o PDT se olharmos apenas o aspecto da disputa de 2022. Sobre o futuro pós-2022 é outra história.
Antes de qualquer coisa é preciso lembrar o óbvio: Lula e Ciro são candidatos em 2022 e, por essa razão, adversários diretos. Não há uma disputa entre esquerda e direita no primeiro turno, mas uma batalha por duas vagas no segundo turno. Lula está, hoje, com a dele encaminhada. Ciro, não. Portanto, garantir algum grau de polarização com o petista interessa ao ex-governador do Ceará exatamente para tentar romper a eleição plebiscitária entre Lula e Bolsonaro. Só atacar Bolsonaro, neste aspecto, não o diferenciaria de Lula em nada e não lhe faria subir nas pesquisas.
Além do mais, orientado pelo marqueteiro João Santana, Ciro e o PDT tentam arrastar para esse debate a figura da ex-presidente Dilma Rousseff. A razão não é qualquer ódio a Dilma ou coisa do tipo. Trata-se da evidente tentativa de colar em Lula a imagem de um governo que teve avaliação popular pior do que a dele. Dilma sofreu para ser reeleita e enfrentou forte rejeição popular quando deu uma guinada na política econômica prometida na campanha. Deixou o governo em razão de um impeachment, entre outras coisas, por ter avaliação popular muito ruim. Ciro quer, portanto, lembrar ao eleitor que Lula errou ao escolhê-la como sucessora, o que de certa forma teria contribuído para chegarmos no cenário que temos hoje.
Desse ponto de vista, a estratégia de Ciro funcionou ao menos em propor esse debate. Ao dizer que Lula conspirou contra Dilma, ele buscava fazer com que o petista negasse e saísse em defesa da sucessora. Melhor do que isso, o pedetista conseguiu que a própria Dilma saísse em defesa de Lula e reforçasse essa unidade. Ciro, assim, conseguiu duas coisas que queria: visibilidade com a polarização e vinculação entre os dois governos petistas. Para quem ainda patina nas pesquisas e tem muitas dificuldades de se viabilizar, é uma grande coisa.
Mas não é só por isso que o PT perde mais para 2022 do que Ciro com essa batalha. Hoje, com Lula tendo um pé no segundo turno e com grandes chances de que o adversário seja Bolsonaro, é de se imaginar que o PT precise mais do voto cirista do que o contrário. Afinal, se o cenário atual se mantiver, Ciro, para ir ao segundo turno, teria que tomar a vaga de Bolsonaro e enfrentar Lula, precisando, por outro lado, do voto bolsonarista.
Petistas costumam dizer que o pedetista corre o risco de ficar ainda menor, perdendo apoio da esquerda com sua estratégia. Se formos olhar só para 2022, não. Quem é lulista já está com Lula. Com Ciro estão os que rejeitam votar no ex-presidente que lidera as pesquisas, ainda que alguns sejam de esquerda como ele. Agora, se formos olhar o futuro, longe de 2022, com Lula já fora da jogada e com a busca por uma alternativa de esquerda, aí sim Ciro pode ter dificuldades com uma reaproximação com parcela majoritária da esquerda. Ele, porém, parece cansado de esperar chegar a sua vez em aliança com o PT, como um dia se cansaram Marina Silva e Eduardo Campos, por exemplo. Por isso, decidiu trilhar seu próprio caminho e se tornar adversário daqueles que são seus ex-aliados. Mas essa decisão ele tomou em 2018. Não foi agora.
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