Em disputa eleitoral, ideologia só costuma entrar na cabeça do eleitor. Ou de parte deles, já que a maioria olha apenas para o bolso e para as perspectivas de que as coisas continuem como estão ou melhorem. Na dos políticos, o que vale é o pragmatismo, e a estratégias são ditadas pelo espaço disponível para disputar com alguma chance de êxito. Foi assim que Lula saiu da esquerda para o centro para virar presidente ou que Bolsonaro, um antigo estatista, encampou ideais liberais na economia para vencer em 2018. Ciro Gomes faz agora sua própria metamorfose. Mais uma na carreira. Está disposto a achar um espaço ao centro, como terceira via. A estratégia, porém, é arriscada.

Do ponto de vista do eleitorado que está em jogo, a lógica de Ciro faz sentido. Considera-se no meio político que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a não ser que ocorra outro terremoto político até 2022, é nome certo no segundo turno. A vaga em disputa é a de Jair Bolsonaro (sem partido), que hoje é, evidentemente, franco favorito a ficar com ela. Ciro ou qualquer nome em uma terceira via buscam esse espaço. Para isso é preciso seduzir partidos de centro e centro-direita – afinal o tempo de TV é essencial para quem tem João Santana no comando da comunicação –,  e o eleitorado desses dois espectros. A tarefa não é fácil, mas é mais fácil do que tentar tirar um naco da esquerda das mãos de Lula, que está em franco crescimento hoje e nadando na impopularidade de Bolsonaro.

Ciro Gomes, então, tem priorizado o ataque ao petista, para se colocar como alternativa para eleitores de direita desiludidos com Bolsonaro e hoje espalhados entre Sergio Moro, João Doria, Luciano Huck e Henrique Mandetta. Um grupo que não nutre simpatia pelo PT. Até aí tudo bem. Quando esse discurso se aproxima demais do bolsonarismo, porém, pode começar a haver um efeito colateral, que é a perda de outra parte do centro e de cerca de 5% ou 6% de eleitores que sempre estiveram com o pedetista. Essa conta pode ter resultado negativo.

O episódio da defesa do PDT de que haja voto impresso nas eleições de 2022 ilustra muito bem como esse exagero na busca do voto de direita pode fazer mal. Talvez até mesmo por isso a defesa do voto com impressão tenha saído primeiro da boca de Carlos Lupi, presidente do PDT e não de Ciro Gomes. Depois, o pedetista tentou consertar, dizendo que ser a favor do voto com impressão é ser contra Bolsonaro, por 'matar, por antecipação, sua tentativa de sabotar os resultados'. Eu até já falei aqui também que a adoção dessa medida, ao menos em algumas urnas, pode ajudar a reduzir o risco de uma crise institucional. A considerar a reação dos antigos eleitores de Ciro nas redes, porém, o resultado foi ruim. E se considerarmos os dados da pesquisa do PoderData, que mostra que só 40% dos eleitores apoiam o voto impresso, levando também em conta que temos hoje 30% do eleitorado com Bolsonaro, sobra pouco para garimpar com esse tipo de defesa.

Ciro corre os mesmos riscos que correram Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede), que diminuíram nas eleições de 2018 em meio a um franco processo de polarização. Mas se ficasse apenas posicionado na centro-esquerda, sem fazer essa jogada de risco, amargaria de novo o terceiro ou quarto lugar, o que também não somaria para suas pretensões. Ciro age como aquele time que até tem boa defesa, mas já está tomando de 1 a 0 e resolve mudar todo o esquema, trocar zagueiros por atacantes e ir para o ataque para tentar virar, mesmo sendo mais provável que tome uma goleada.