A Câmara dos Deputados ganha hoje, com a reativação do Conselho de Ética, mais uma oportunidade para uma reconexão com a sociedade perdida há muito tempo. A análise dos casos de Flordelis e Daniel Silveira, embora tratando de situações completamente diferentes, podem definir se a Casa quer continuar sendo fortemente rejeitada ou se tem de fato alguma preocupação com a opinião pública brasileira.

Hoje, o Congresso Nacional como um todo tem seu trabalho profundamente reprovado. Na última pesquisa feita pela XP Investimentos no mês de fevereiro, eram 44% os que consideravam que as atuações de deputados e senadores brasileiros são ruins ou péssimas. Por outro lado, apenas 11% consideram que seriam ótimas ou boas. Um dos motivos pelos quais o Congresso é historicamente mal avaliado é a percepção de que há por vezes um corporativismo na hora de analisar vícios ou ilícitos de seus integrantes.

Veja o caso da deputada federal Flordelis. Ela foi transformada em ré em agosto do ano passado, sob a acusação de mandar matar o então marido. Há fartas provas disso e, por essa razão, vários membros de sua família foram presos, inclusive em razão de ameaças a testemunhas. Flordelis só não foi detida por conta da imunidade parlamentar. Desde então, anda de tornozeleira eletrônica e, mesmo assim, a Câmara não achou suficientemente urgente o caso para que o conselho fosse reaberto em meio à pandemia. Só agora, após a pressão advinda do caso de Daniel Silveira, é que o colegiado está sendo reinstalado. E o caso de Flordelis só vai entrar em discussão pois seria chocante demais que ele fosse punido sem que Flordelis fosse também alvo da casa. Diante da gravidade do caso da deputada, posto em discussão, dificilmente terminará em outra coisa que não seja uma cassação.

A situação de Daniel Silveira é diferente. Ao contrário de Flordelis, seu caso anda rápido. Foi preso semana passada pelo Supremo por vídeos atacando a Corte e a democracia. Rapidamente o próprio comanda da Câmara mandou o caso para o Conselho de Ética que, hoje, já deve abrir o processo junto com o de Flordelis. Mas a rapidez não significa que será punido exemplarmente. Já há um ensaio por parte de partidos de centro para livrá-lo da cassação, dando-lhe apenas uma suspensão de alguns meses.

Se a Câmara deixar de cassá-lo para aplicar uma punição mais branda estaremos diante de uma incoerência. Quer dizer que os deputados aceitam e referendam uma medida bem mais gravosa, de restrição de liberdade, mas não acham que ele deva perder o mandato? Ele poderia ficar preso e, ao mesmo tempo (como já aconteceu), deputado? Parece fortemente incoerente, principalmente considerando que nos requisitos da prisão havia muitos pontos a discutir. Ainda que entendam, como eu entendo, que o deputado não estava apenas no seu livre exercício de expressão, mas defendendo um rompimento democrático, e chantageando o Judiciário, o que é crime, há dúvidas quanto à hipótese de flagrante criada pelo STF para o caso  (o fato do vídeo estar no ar). Ainda assim, pela gravidade da situação, os deputados mantiveram a prisão. Como agora não vão cassá-lo?