O presidente Jair Bolsonaro fez um discurso bem mais ameno e moderado na televisão, no pronunciamento da noite da última terça-feira. Trazia um bom sinal de que deixaria de lado a insistência em forçar uma mudança nas orientações apresentadas por especialistas e pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Ainda que, mais cedo, em entrevista, tivesse distorcido o que disse o diretor geral da organização, de modo a convencer as pessoas de seu posicionamento controverso.
Ocorre que horas depois do pronunciamento, o presidente voltou à tática do confronto e à estratégia antiga. Por meio de um vídeo de um cidadão anônimo na Ceasa de Contagem – depois desmentido pelos fatos – passou a mensagem de crise de desabastecimento e atacou governadores e prefeitos. Só apagou o vídeo quando a mentira já estava escancarada por imagens atuais do centro de distribuição.
No caso do discurso na TV, Bolsonaro foi orientado pelos ministros militares, ala hoje mais moderada do governo, que perceberam que o presidente caminhava para um suicídio político. Nas redes, porém, continua prevalecendo a estratégia traçada pelos filhos do chefe do Executivo brasileiro. Em especial, Carlos Bolsonaro, que cuidou da estratégia bem sucedida do presidente durante campanha eleitoral.
O discurso do governo também é dúbio na questão econômica. O governo exalta a decisão de conceder um voucher de R$ 600 aos mais vulneráveis a essa pandemia, mas atrasou as decisões que podem efetivamente implementar a medida. Vale lembrar que a proposta do governo era de R$ 200, foi ampliada para R$ 500 no Congresso e depois, em um acordo com a equipe econômica, foi confirmado o valor de R$ 600. O governo agiu como se tivesse o dinheiro mas passou a alegar que precisa da aprovação da PEC Emergencial para ter subsídio jurídico para uso do recurso para pagar todo mundo. Assim, mais uma vez, joga para o Congresso a decisão.
A reação no Congresso, no Tribunal de Contas, no MP e no Judiciário foi imediata. É quase unânime a opinião de que não é preciso aprovar a PEC Emergencial para que a medida seja implementada. Diante disso, nesta quarta-feira, Bolsonaro anunciou que sancionará o texto ao longo do dia. E, assim, o governo conseguiu criar uma nova crise em cima de um fato que deveria ser positivo.