O sentimento de corrupção generalizada no Brasil, revelado pela Lava Jato, e a profusão de autoridades dos partidos mais tradicionais envolvidas em corrupção fizeram muita gente votar em Jair Bolsonaro com o intuito de enfrentar essa praga. É claro que a péssima situação econômica deixada pelos governos de petistas e emedebistas fez o caldo entornar, mas certamente foi no combate aos desvios de dinheiro público daquela era que o então candidato surfou para conquistar a cadeira mais importante da República. Acomodado nela, porém, Bolsonaro dá mostras de que parte do discurso não se sustenta na prática, o que tende a frustrar seu eleitorado. Nas últimas semanas, acentuou-se essa percepção com interferências a favor dos filhos e de aliados.
Jair Bolsonaro atropelou a fundamental independência da Polícia Federal e da Receita ao anunciar a troca do comando dos órgãos no Rio de Janeiro. Alegou que o presidente não pode ser um banana e que quer alguém alinhado no comando das instituições. Frustrou delegados e agentes que acreditavam que teriam a liberdade de investigar quem quer que fosse. Não é coincidência que as mudanças tenham ocorrido no Rio de Janeiro, onde os dois órgãos estão no encalço de um de seus filhos, o senador Flávio Bolsonaro, e de figuras envolvidas com a milícia que povoavam o gabinete dele na Assembleia Legislativa daquele Estado?
Aliás, partiu de Flávio um pedido ao Supremo para limitar a atuação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que deixou de ter autonomia para enviar dados de movimentações suspeitas, como a da turma do filho do presidente. O ministro Dias Toffoli, com familiares também na mira, aproveitou a deixa para beneficiar centenas de investigados que estavam em situação semelhante. A decisão aprisionou o Coaf justamente após a militância bolsonarista lutar tanto para que o órgão ficasse sob o guarda-chuva do ministro da Justiça, Sergio Moro. Agravando o quadro, o Coaf, que permaneceu na Economia, vai perder o comando indicado por Moro, pois o presidente não gostou das posições de Roberto Leonel criticando a decisão do STF. Ou seja: Bolsonaro aprova a decisão da Corte, quer o Coaf quietinho no seu canto e nunca apoiou de verdade que ele ficasse com alguém independente.
Autonomia também não é o que o presidente quer na Procuradoria Geral da República (PGR). Por isso não vai indicar o primeiro da lista tríplice formada com o voto de procuradores de todo o país. Provavelmente também não colocará o segundo ou o terceiro. Seus militantes chegaram a defender Deltan Dallagnol, ao que Bolsonaro respondeu compartilhando um link em que chama o coordenador da Lava Jato de “esquerdista estilo PSOL”, entre outras coisas, por defender que o filho do presidente precisa ser investigado.
Depois de tirar Moro da 13ª Vara Federal em Curitiba, Bolsonaro age nas sombras para esvaziar seu poder. O presidente não se esforça para fazer o pacote anticrime do ministro avançar e, enquanto isso, até aceita deixar passar parte do projeto do abuso de autoridade, que o Congresso aprovou. Bolsonaro fez pressão pessoal para que o PSL retirasse de seus quadros o deputado Alexandre Frota, que o criticou, mas não moveu uma palha para defender a exclusão de acusados de operar candidaturas-laranja ou para que o partido agisse para impedir que o abuso de autoridade avançasse. Pelo discurso que ostentou, parece incoerente.