A dada como certa filiação de Jair Bolsonaro ao PL de Valdemar Costa Neto está suspensa e as negociações para a escolha do partido para a disputa em 2022 continuam. Depois de anunciarem até a data do evento, os dois lados tiveram um entrevero nos últimos dias e o clima de novela voltou a se instalar. Repercussão ruim e dificuldades em acertos estaduais são apontados como os problemas para que a aliança seja formalizada, para o desespero de apoiadores que precisam de uma definição e para a tensão dos articuladores políticos que temem reflexos na condução do trabalho no governo até o final do ano.

É um fato que a decisão de escolher um partido para concorrer à reeleição não é trivial. Isso ajuda a explicar a insegurança de Bolsonaro e seu núcleo mais próximo. O presidente não pode correr o risco de formalizar a entrada em um partido e, lá na frente, passado o prazo de filiação partidária, e antes da eleição, brigar com a direção partidária e ver negada a legenda para concorrer. Por isso, quer todas as garantias de que terá o máximo controle possível da legenda. Só que, em um partido grande e já com um dono, como o caso do PL, isso não é tão simples. 

Há duas explicações colocadas para o fracasso momentâneo das negociações. A primeira, oficial, é a de que há um embate acerca da posição do diretório paulista do PL, que quer continuar na chapa de Rodrigo Garcia, vice de João Doria, na disputa pelo Palácio dos Bandeirantes. A outra, de bastidores, é de que a repercussão pesada da escolha da legenda, comandada por um mensaleiro condenado, estava machucando demais o discurso construído pelo presidente para se tornar o que é hoje. Se a razão real for a primeira, a solução se daria liberando mais cargos para o PL no governo federal, de modo a conseguir tirar o partido da base de sustentação de Doria.

Se o problema, por outro lado, for a pressão de sua base eleitoral expressa nas redes sociais, Bolsonaro não teria saída a não ser romper o noivado. As consequências, porém, podem ser catastróficas. Depois de anunciar publicamente a filiação do presidente e se indispor com focos de resistência na sigla, Valdemar Costa Neto poderia ficar desmoralizado. Ainda mais se for cristalizada a versão de que o grande problema é sua condição de ex-presidiário. Isso teria potencial para afastar o PL do governo, derrubando o resto que sobrou da articulação política e inviabilizando a aprovação de qualquer coisa de interesse do Executivo até o fim do mandato.

Sem fechar com o PL, o presidente devolveu esperanças a outras legendas com quem negociou ao longo do processo. Entre elas está o PSC, preferido de apoiadores próximos como o deputado federal Bibo Nunes, por exemplo, e o PRTB, do vice-presidente Hamilton Mourão, que fez um convite público no dia em que surgiu o anúncio de aliança com o PL. Também estiveram envolvidos em negociações com Bolsonaro o Patriota, que não levou a filiação em razão de suas disputas internas, e o PTB de Roberto Jefferson. Também mensaleiro, mas inimigo mortal de Valdemar Costa Neto, ele disparou contra o presidente e seus filhos após a aproximação do chefe do Palácio do Planalto com o cacique do PL. Depois disso, da cadeia, ele foi afastado do comando partidário pela Justiça, embora se saiba que continuará dando as cartas. Se Bolsonaro brigar para valer com Valdemar, poderia até haver uma aproximação com os petebistas, que evitaram críticas públicas ao presidente nos últimos dias, ainda que tenham revelado que a mágoa persiste.

Ainda que a novela possa perdurar, Bolsonaro certamente conseguirá um partido para concorrer. Não há dúvidas. Para legendas pequenas e médias, sobretudo do campo conservador, mas mesmo do centro, vale a pena ter o presidente em seus quadros. Ainda que ele não seja hoje o favorito para a eleição majoritária, é certo que ele é capaz de impulsionar as candidaturas a deputado federal, elegendo bancada relevante e garantindo fundo partidário, o principal alimento de um partido político. Talvez o presidente precise ceder um pouco nas tentativas de controlar legendas que já possuem dono, mas sem sigla para concorrer não ficará.

O grande problema hoje é para aliados do presidente. Deputados em busca de reeleição que precisam de uma definição dele para também fazerem as suas. Não é coisa básica definir a sigla pela qual vão concorrer. O período pré-eleitoral comporta cálculos complexos que cada parlamentar faz para saber se terá chances para se eleger. Olha-se o número de candidatos de uma legenda, o potencial de voto de cada um deles, onde estão suas bases eleitorais e quantos candidatos tendem a ser eleitos por ali. Normalmente, profissionais que fazem esses cálculos e montam as chapas, os chamados chapeiros, têm uma relativa noção, antes do pleito, de como ficará a composição dos legislativos. Para um deputado em busca de reeleição ou um candidato a esse cargo, acompanhar o presidente não é decisão automática, portanto. Quanto menos tempo tiverem para uma definição e quanto mais formadas estiverem as chapas, maiores as chances de que fracassem em 2022. E isso é o que mais amplia a pressão para que Bolsonaro defina seu destino, seja ele qual for.