A pretensa defesa da democracia e da liberdade está frequentemente presente nos discursos dos líderes políticos brasileiros. Em especial, nos dos líderes das pesquisas, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o atual presidente, Jair Bolsonaro. Na prática, porém, ditadura para eles só merece condenação quando é praticada alguém que está em campo ideológico diverso. Quando não é assim, sobram confraternizações e exaltações, deixando flagrante a hipocrisia na defesa de direitos fundamentais em um mundo civilizado.
No caso de Bolsonaro, uma boa amostra se viu na última semana. A civilidade entre os países e as boas relações no cenário comercial e os debates diplomáticos, sobretudo em organismos multilaterais, são importantes. Principalmente para aqueles que dependem bastante do comércio exterior, como é fundamentalmente o caso do Brasil. Daí a exaltar e condecorar ditadores sanguinários vai longo caminho.
No dia em que embarcou para os Emirados Árabes, por exemplo, Bolsonaro, um crítico das medidas restritivas de governadores na pandemia, deu a Mohamed Bin Rashi al-Maktoum, emir de Dubai, uma das mais importantes medalhas concedidas pelo Brasil. O ditador já foi condenado na Europa por sequestrar as próprias filhas, mantendo-as em cativeiro até hoje.
Depois, o filho Eduardo Bolsonaro exaltou Mohamed Bin Zayed, de Abu Dhabi, enfatizando que o encontro entre o ditador e o pai parecia a cena de velhos amigos se encontrando. No Catar, país também envolto em violações de direitos humanos, com acusações inclusive de servidão forçada de cidadãos, e governado pela mesma família mesmo após um golpe de estado em que um filho derrubou o pai, Bolsonaro confraternizou com uma motociata pelas ruas da capital Doha.
Antes da visita aos emirados, o presidente também já havia exaltado outro ditador: o príncipe Bin Salman, da Arábia Saudita, acusado de mandar esquartejar um jornalista dissidente, sequestrar a própria mãe, apoiar jihadistas, determinar restrições a mulheres e homossexuais e perseguir religiões, proibindo a prática do cristianismo que o presidente brasileiro diz o tempo todo defender.
Enquanto isso, na Europa, Lula, a despeito da defesa que faz da importância do pluralismo na sociedade, discursava na França para, entre outras coisas, fazer uma defesa ardorosa de Hugo Chávez, que comandou a Venezuela com práticas ditatoriais, calando inimigos políticos e pavimentando o caminho para que seu grupo político permanecesse indefinidamente no poder mesmo após a sua morte. Hoje, em 2021, depois de tudo o que se viu e se sabe sobre o desastre causado pela repressão na Venezuela, Lula disse que Chávez era uma das figuras mais extraordinárias e quem conhecesse o coronel veria que figura humana fantástica ele seria. Não é a primeira e nem será a última exaltação ao regime chavista, hoje sob o comando de Nicolás Maduro.
O partido do presidente também faz defesas frequentes da ditadura que comanda Cuba reprimindo protestos, prendendo adversários políticos, proibindo a liberdade de opinião. O próprio Lula, também na França, falou da generosidade que tiveram com o Brasil em momentos difíceis para defender o regime autoritário. Como é autoritário também Daniel Ortega, que venceu eleições na Nicarágua após mandar prender sete adversários. Mesmo assim, recebeu aplausos por meio de uma nota do PT, apagada depois em meio à repercussão negativa. Logo o PT que acusa a Lava Jato de ter prendido Lula para alterar o resultado de 2018, agora acha natural que sete adversários sejam presos em meio à campanha para pavimentar o caminho para que um ditador permaneça sob o comando do país.
Nos dois casos, como em outros, os líderes políticos apostam no fanatismo de parte dos seus seguidores para falar ou defender barbaridades sem que sejam questionados em suas bases. Afinal, diante da radical polarização política presente hoje no Brasil, o debate claro de questões tão fundamentais, como a defesa intransigente da democracia, fica em segundo plano. Relativizar e tolerar com aplausos ditaduras pelo mundo, sejam de esquerda ou de direita, é o primeiro passo para permitir que um dia uma volte a se instalar por aqui. E é sempre bom reforçar: ditadura nunca mais, nem aqui nem em lugar nenhum.