Tratamento voltado a crianças com distrofia muscular de Duchenne (DMD) e que custa R$ 14,6 milhões, o Elevidys (delandistrogeno moxeparvoveque) recebeu parecer inicial negativo da Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde) no processo que avalia a oferta da droga na rede pública.

O comitê de medicamentos do órgão considerou que "há incertezas quanto à eficácia dessa terapia, além de ela apresentar um perfil de segurança que indica risco potencial de eventos adversos graves, como miosite (inflamação dos músculos) e lesão no fígado".

O parecer contrário foi avaliado em abril pela Conitec e encaminhado para consulta pública, que se encerra em 25 de junho, etapa que antecede decisão final do órgão.

Enquanto está aberto o debate sobre ofertar o Elevidys no SUS, o medicamento tem sido entregue pelo Ministério da Saúde a pacientes que obtêm decisões favoráveis na Justiça. O governo federal estima que irá desembolsar cerca de R$ 1 bilhão para cumprir as ordens judiciais, cifra que inclui mais de R$ 120 milhões em tratamentos já fornecidos a dez pacientes.

A droga se tornou esperança para famílias de crianças que apresentam a doença rara. A distrofia causa fraqueza progressiva dos músculos, levando, com o tempo, à perda de mobilidade e comprometendo as funções respiratória e cardíaca. Os tratamentos geralmente disponíveis envolvem fisioterapia e uso de corticoides para retardar os efeitos da doença, mas não levam à cura.

No parecer inicial contrário à entrega do Elevidys no SUS, a área técnica da Conitec afirmou que os ganhos clínicos observados com o medicamento não superam os de tratamentos convencionais com corticoides.

A comissão também apontou o "alto custo da terapia e seus impactos financeiros nos sistemas de saúde" e citou estimativa de que a União desembolsaria R$ 9,3 bilhões em cinco anos para o tratamento de cerca de 4.100 crianças caso o produto fosse ofertado na rede pública conforme o pedido feito pela fabricante Roche.

"Dado o baixo nível de evidência disponível sobre a eficácia, alcançou-se um consenso preliminar desfavorável à incorporação da terapia no SUS, com a recomendação de aguardar mais evidências robustas", acrescenta o parecer.

O ministro da Saúde, Alexandre Padilha (PT), também diz que não há dados comprovando a eficácia da droga e que levará novos estudos ao Judiciário. O material "deixa claro que não tem evidência que justifique a utilização", afirmou Padilha à Folha de S.Paulo.

Em audiência na Câmara neste mês, o ministro disse a deputados que há "pressão enorme" para incorporar a droga ao SUS e que novos dados "enterram de vez qualquer discurso" de que há evidências sobre a superioridade do Elevidys em relação a outros tratamentos.

MORTES APÓS TRATAMENTO COM ELEVIDYS

A Roche afirma que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), ao aprovar o registro do Elevidys, apontou que a droga demonstra uma "melhora significativa em funções essenciais" das crianças que apresentam a distrofia, como a capacidade de ficar em pé, caminhar e subir escadas.

"A aprovação do registro do Elevidys oferece uma alternativa terapêutica capaz de retardar ou prevenir o declínio funcional irreversível, em pacientes que possuem poucas ou nenhuma opção de tratamento disponível para evitar a progressão desse declínio ao longo do tempo", disse a farmacêutica.

Na última semana, a Roche anunciou a suspensão dos tratamentos destinados a pacientes não deambuladores, ou seja, com maior dificuldade de locomoção, depois de registrar o segundo caso de morte por insuficiência hepática aguda fatal relacionada ao tratamento. A farmacêutica, porém, disse que a suspensão não se aplica aos tratamentos feitos no Brasil.

"A indicação na bula aprovada para o Brasil para o paciente do Elevidys segue inalterada, uma vez que não está aprovado o uso em pacientes não deambuladores. Nossa indicação no país aprovada pela Anvisa é para pacientes deambuladores entre 4 e 7 anos", afirmou a farmacêutica à reportagem.

Depois da divulgação do comunicado da Roche, o ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), pediu informações à farmacêutica, ao Ministério da Saúde e à Anvisa sobre efeitos colaterais da droga.

Gilmar citou informações veiculadas na mídia sobre a "morte por insuficiência hepática de dois pacientes estrangeiros não deambulantes e de uma criança brasileira que teve seu quadro de saúde afetado por complicações gripais após o uso do Elevidys". O ministro também perguntou se há registro de efeitos colaterais graves e permanentes nas crianças que receberam o tratamento no Brasil.

O ministro do Supremo conduziu uma conciliação envolvendo a União e a farmacêutica Roche e determinou, em dezembro de 2024, que o Ministério da Saúde fornecesse os medicamentos a pacientes que se enquadram em determinadas características. Como a Folha mostrou, o governo federal resistiu à disponibilização da droga, por considerar que os estudos não demonstraram benefícios significativos na qualidade de vida dos pacientes.

Após a conciliação no STF, o medicamento foi aplicado pela primeira vez no SUS em fevereiro, no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), referência no tratamento de doenças raras.

Elevidys é um medicamento de terapia avançada, classificado como terapia gênica, e funciona utilizando um vetor viral "para transportar um gene humano que codifica a microdistrofina, com o objetivo de substituir a proteína distrofina disfuncional ou ausente no organismo do paciente", segundo a Anvisa.