Com a crescente popularidade de medicamentos injetáveis para emagrecimento como semaglutida (presente no Ozempic e Wegovy) e tirzepatida (como o Mounjaro), crescem também as dúvidas sobre os impactos desses compostos na fertilidade e na eficácia de anticoncepcionais orais. Algumas autoridades de saúde e especialistas chegaram a emitir alertas diante de casos de gestações inesperadas durante o uso dessas medicações.

Dados de junho deste ano, divulgados pelo Pharmacy Times - periódico norte-americano, apontam que cerca de 15% das mulheres em uso de agonistas do GLP-1 relataram mudanças no ciclo reprodutivo. Entre os homens, um estudo apresentado na American Urological Association (AUA 2025) indicou melhora de até 2,8% na contagem de espermatozoides, demonstrando que os efeitos podem variar conforme o perfil do paciente.

Além disso, a agência reguladora do Reino Unido (MHRA) emitiu um alerta após 40 relatos de gravidez não planejada em mulheres que faziam uso de semaglutida e tirzepatida. Esses episódios acenderam o alerta sobre o possível comprometimento da eficácia dos anticoncepcionais orais quando combinados com esses medicamentos.

Um estudo da revista da associação americana de farmacêuticos - JAPHA, na sigla em inglês -, de 2024, mostrou que a tirzepatida pode reduzir em até 20% a quantidade de etinilestradiol — um dos hormônios presentes nas pílulas anticoncepcionais combinadas — na corrente sanguínea. Além disso, a absorção completa do hormônio pode levar de duas a quatro horas a mais, devido à desaceleração do esvaziamento gástrico causada pelos medicamentos. Esse efeito é mais duradouro na tirzepatida do que na semaglutida, embora ambos impactem a digestão de forma semelhante.

O médico Paulo Tudech, especialista em reprodução humana da Nilo Frantz Medicina Reprodutiva, explica a relação das canetas com a fertilidade. “A semaglutida atua principalmente no controle do apetite e do metabolismo, mas esses efeitos repercutem sistemicamente. Em mulheres, podem ocorrer alterações no eixo hormonal, ciclos irregulares ou até impacto sobre a reserva ovariana, dependendo da intensidade da perda de peso e do estado nutricional. Por outro lado, para pacientes com obesidade ou síndrome dos ovários policísticos (SOP), essas medicações podem ser grandes aliadas, já que a perda de peso melhora a sensibilidade à insulina e favorece a ovulação. O risco está no uso sem indicação, sem monitoramento e com expectativas irreais”, explica. 

Tudech destaca ainda que, embora essas medicações possam beneficiar pacientes com obesidade ou síndrome dos ovários policísticos (SOP), ao favorecerem a ovulação por meio da melhora da sensibilidade à insulina, o uso sem acompanhamento médico e nutricional pode prejudicar a fertilidade, especialmente quando há perda de peso extrema. “A magreza extrema também compromete a fertilidade, pois níveis muito baixos de gordura corporal reduzem a produção hormonal, prejudicando a ovulação e a qualidade dos óvulos. É um equilíbrio: perder peso em excesso, de forma descontrolada, pode ser tão prejudicial quanto a obesidade.”

Ainda conforme o especialista, o medicamento deve ser visto como uma ferramenta dentro de um contexto mais amplo, que inclui alimentação equilibrada, prática de exercícios físicos regulares, sono de qualidade e cuidado com a saúde intestinal — fatores que influenciam diretamente a fecundidade. “Até o momento, não há estudos que comprovem ganho de fertilidade apenas pelo uso da semaglutida. O que existe é a evidência de que a perda de peso equilibrada melhora a função ovulatória, o ambiente uterino e, em alguns casos, a qualidade dos óvulos e dos espermatozoides. Por isso, é fundamental acompanhamento médico, exames regulares e planejamento reprodutivo claro,” finaliza o médico.