Doença silenciosa que, até 2040, pode matar mais do que o HIV, tuberculose e malária juntas, a hepatite requer atenção para ser identificada. A enfermidade é uma inflamação do fígado que pode ser causada por diversos tipos de infecções, principalmente por vírus. Porém, também pode ser desencadeada por bactérias e outros agentes, como uso de medicamentos, álcool e drogas, além de doenças autoimunes, metabólicas ou genéticas.
Para conscientizar a população sobre as hepatites virais, o Brasil realiza neste mês a campanha “Julho Amarelo”. O Ministério da Saúde alerta que a doença é um grave problema de saúde pública, não só no país, mas em todo o mundo, e reforça a importância de buscar informação confiável sobre o tema, para identificar e tratar o mal.
Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), a mortalidade anual global por hepatite viral é comparada à do HIV, tuberculose e malária e, em 15 anos, vai ultrapassar os óbitos das três doenças juntas. Em Minas Gerais, segundo a Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG), a doença é registrada em todas as estações do ano, exceto a hepatite A, mais comum no verão.
Isso ocorre porque, nesta época, a temperatura e as atividades sociais aumentam, e o lazer leva ao consumo de alimentos e bebidas fora de casa, elevando o risco de infecção por alimentos contaminados.
Diferentes tipos de hepatites virais
Existem cinco tipos de hepatites virais, divididas por A, B, C, D e E, que apresentam diferentes maneiras de contágio e tratamentos. A gastroenterologista Samara Campanati, preceptora da Gastroenterologia e Transplante Hepático da Santa Casa, explica como acontece o contágio de cada uma das enfermidades.
A médica conta que as hepatites A e E são transmitidas principalmente por água e alimentos contaminados, ou pelo contato com fezes de pessoas infectadas (fecal-oral). A especialista ressalta que atualmente há um crescimento dos casos de hepatite A devido a novas práticas sexuais. “Geralmente é aguda e autolimitada, com cura completa. Raramente evolui para formas graves, como hepatite fulminante”, aponta.
Já a transmissão das hepatites B e D acontece devido ao contato com sangue, sêmen e outros fluidos contaminados, seja por via sexual, compartilhamento de agulhas, materiais perfurocortantes e de forma vertical, ou seja, de mãe para filho na gestação/parto.
Por fim, a hepatite C é transmitida por sangue contaminado, seja por transfusões antigas, compartilhamento de seringas e instrumentos não esterilizados. “A hepatite B e C podem se tornar crônicas, levando à fibrose, cirrose e câncer de fígado. Por isso, o diagnóstico e acompanhamento precoces são essenciais”, ressalta Campanati.
A médica pontua ainda que a hepatite A é a mais frequente em termos de exposição à alta prevalência. Somente neste ano, houve um aumento de 300% nos registros desse tipo, segundo ela, sendo que a maioria dos casos agudos ocorre em adultos jovens, especialmente homens, com evidências de transmissão sexual entre homens.
“A hepatite B lidera em casos crônicos notificados, especialmente no Norte do Brasil, e a hepatite C, embora menos comum, é a principal causa de mortes entre as hepatites virais”, destaca.
Sintomas
Apesar de silenciosa, a doença pode apresentar alguns sintomas. São eles:
- Cansaço;
- Mal-estar;
- Dor muscular;
- Constipação ou diarreia;
- Urina escura e fezes claras;
- Icterícia (pele e olhos amarelados);
- Febre.
Ao identificar os primeiros sintomas, a orientação da gastroenterologista Samara Campanati é procurar atendimento médico. A sorologia, exame que detecta a presença de anticorpos ou antígenos no sangue e pode identificar hepatites virais, está disponível no SUS. “Quando o paciente nota icterícia, geralmente são casos agudos mais graves ou casos crônicos que evoluíram para complicações ao longo dos anos, como a cirrose e câncer de fígado”, relata a médica.
Vacinas
Existem vacinas para os vírus dos tipos A e B. O imunizante contra a hepatite A é fornecido no SUS para crianças a partir de 15 meses (dose única) e alguns grupos de risco, como usuários de Profilaxia Pré-Exposição (PrEP), imunossuprimidos e pessoas com doença hepática. A especialista conta que a vacina está disponível também na rede privada para todos os adultos, independentemente da idade.
Já a vacina contra a hepatite B também está amplamente disponível no SUS, com cobertura que vai do recém-nascido até a fase idosa, seguindo o esquema 0-1-6 meses. Conforme a SES-MG, a imunização para o tipo B é a principal forma de prevenção para a hepatite D.
Estudo realizado pela OMS constatou que cerca de 4,5 milhões de mortes prematuras pela doença poderiam ser evitadas em países de baixa e média renda até 2030, por meio de vacinação, testes diagnósticos, medicamentos e campanhas educativas.
Além da vacinação, é importante se atentar aos cuidados gerais, como: lavar bem as mãos antes das refeições e após usar o banheiro; beber água filtrada; higienizar frutas, verduras e alimentos crus; usar preservativo em todas as relações; não compartilhar lâminas, alicates, escovas de dente; fazer tatuagens e piercings apenas em locais com materiais esterilizados.
Diagnóstico
O diagnóstico é realizado por exames de sangue, com sorologias específicas para cada tipo de vírus. Atualmente, há testes rápidos com resultado que sai de 15 a 30 minutos. Os testes rápidos e os exames convencionais estão disponíveis nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) e nos Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA).
“Neste Julho Amarelo, cuide do seu fígado, faça o teste e previna-se. Divulgue essa causa. Juntos, podemos eliminar as hepatites virais como problema de saúde pública”, reforça Campanati.
Tratamentos
Devido às diferentes formas de contágio, cada tipo de infecção possui um tratamento adequado:
Hepatite A: Não há tratamento específico para hepatite A. O mais importante é evitar a automedicação para alívio dos sintomas, uma vez que o uso de medicamentos desnecessários ou tóxicos ao fígado pode piorar o quadro. O profissional de saúde saberá prescrever o medicamento mais adequado para melhorar o conforto e garantir o balanço nutricional adequado, incluindo a reposição de fluidos perdidos por vômitos e diarreia. A hospitalização é indicada apenas nos casos de insuficiência hepática aguda.
Hepatite B: O tratamento será realizado com antivirais específicos, disponibilizados no Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo com o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Hepatite B e Coinfecções (PCDT Hepatite B). Os tratamentos disponíveis atualmente não curam a infecção pelo vírus da hepatite B, mas podem retardar a progressão da cirrose, reduzir a incidência de câncer de fígado e melhorar a sobrevida a longo prazo.
Hepatite C: O tratamento da hepatite C é feito com os chamados antivirais de ação direta (DAA), que apresentam taxas de cura acima de 95% e são realizados, geralmente, por 12 ou 24 semanas. Os DAA revolucionaram o tratamento da hepatite C e possibilitam a cura da infecção na maioria dos casos. Todas as pessoas com infecção pelo HCV podem receber o tratamento pelo SUS.
Hepatite D: O médico indicará o tratamento de acordo com o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Hepatite B e Coinfecções (PCDT Hepatite B). Os medicamentos não promovem a cura da hepatite D; o objetivo principal do tratamento é o controle do dano hepático. Todos os pacientes com hepatite Delta são candidatos às terapias disponibilizadas pelo SUS.
Hepatite E: O tratamento da hepatite E, assim como o da hepatite A, geralmente não envolve tratamento específico, mas foca no alívio dos sintomas e na prevenção de complicações. O acompanhamento médico é crucial para monitorar a evolução da doença e tratar possíveis complicações, como a insuficiência hepática, especialmente em casos de hepatite E crônica ou em gestantes.
Doença em Minas Gerais
Segundo a SES-MG, o maior número de casos notificados de hepatites virais no estado são dos tipos B e C. Os dois tipos causam maior preocupação, pois podem evoluir para cirrose e até câncer no fígado. Além disso, essas variantes da doença não apresentam sintomas, o que faz com que a enfermidade possa evoluir por décadas sem o devido diagnóstico.
Entre 2023 e 2025, foram contabilizados no estado 4.315 casos de hepatite B. Do tipo C, foram 5.753 no mesmo período. Já do tipo A, foram notificados 729 casos. O balanço da SES ainda aponta que as hepatites D e E foram as menos recorrentes durante o período, apresentando 18 e 9 casos, respectivamente. Além disso, foram registrados 236 óbitos devido aos diferentes tipos de hepatites virais.
* Estagiária sob supervisão do portal O TEMPO