Uma reclamação constante de quem luta contra o racismo no futebol é a falta de punição para os agressores, ou uma pena branda. Muitas vezes limitadas a multas e suspensões, as medidas para combater o preconceito no esporte são alvo de questionamentos, que aumentam a cada caso noticiado. O debate veio à tona novamente após o meia Miguelito, do América, ser acusado de injúria racial pelo atacante Allano, do Operário.
No último domingo (4), o atleta do Coelho foi acusado de injúria racial contra o atacante Allano, durante a partida entre Operário e América, pela Série B do Campeonato Brasileiro. O árbitro registrou na súmula que o jogador do time paranaense alegou ter sido chamado de ‘preto cagão’ pelo atleta americano. Miguelito chegou a ser preso, foi solto e, nesta terça-feira (6), foi suspenso preventivamente pelo STJD.
Na avaliação de um especialista ouvido por O TEMPO Sports, as punições a casos de racismo já poderiam ser mais fortes, principalmente diante de uma determinação da FIFA sobre o assunto. Especialista em direito esportivo e direitos humanos no esporte, o advogado Andrei Kampff lembra que há medidas que a entidade máxima do futebol mundial aponta para que as confederações e federações pelo mundo adotem. Porém, segundo o advogado, as medidas ainda não foram totalmente implantadas.
“O Gianni Infantino (presidente da FIFA), em maio de 2024, determinou a todas as federações de futebol que coloquem nos seus códigos disciplinares a perda de pontos para a manifestação preconceituosa. No Brasil e na América do Sul, isso não tem. A CBF tinha que colocar, a AFA (Associação Argentina de Futebol) também, a Conmebol. A gente precisa avançar nisso”, afirma.
O Código Brasileiro de Justiça Desportiva cita apenas uma situação em que a punição pode ir além de multas financeiras e suspensão de atletas. Isso pode ocorrer caso o ato de discriminação seja cometido em cunjunto, por um alto número de indivíduos de uma mesma entidade esportiva.
"Caso a infração prevista neste artigo seja praticada simultaneamente por considerável número de pessoas vinculadas a uma mesma entidade de prática desportiva, esta também será punida com a perda do número de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente, e, na reincidência, com a perda do dobro do número de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente; caso não haja atribuição de pontos pelo regulamento da competição, a entidade de prática desportiva será excluída da competição, torneio ou equivalente", diz o parágrafo 1 do artigo 243-G do CBJD.
O TEMPO Sports procurou a CBF para pedir um posicionamento sobre o assunto, mas não obteve retorno. A reportagem será atualizada em caso de resposta.
Andrei entende que um caminho para fortalecer o combate ao racismo no futebol é aumentar o rigor de punição em relação aos clubes. Para o especialista, as agremiações também são responsáveis pela luta contra o racismo.
“Acho que falta um trabalho de conscientização e educação dentro do esporte, clube e federações terem o entendimento de que eles devem conscientizar e educar os atores do futebol sobre os direitos humanos no esporte. Isso pode trazer uma punição dentro do esporte, uma vez que esses direitos sejam violados”, exige.
Por isso, diz o advogado, é preciso ir além de multas e suspensões.
“Tem que ter perda de pontos, perde a partida por 3 a 0, como aconteceu com o Colo-Colo (contra o Fortaleza, na Libertadores), em decorrência de um episódio de violência. Se for um torcedor isolado praticando preconceito, não pode dar causa de anulação de uma partida. Mas um grupo significativo de torcedores agindo de maneira preconceituosa pode. Um dirigente ou jogador se manifestando assim também tem que dar causa de perda de pontos”, aponta.
Mais equidade
Andrei também critica a falta de igualdade nos julgamentos em relação aos clubes. Ele usa, como exemplo, o caso do próprio América, que teve Miguelito suspenso. O especialista pensa que é necessário um melhor entendimento de que tipo de punição aplicar e pede uma padronização das decisões.
“A Justiça Desportiva precisa estabelecer uma régua. Se está havendo essa medida contra o América, precisa ser aplicada também contra Corinthians, Flamengo, Atlético, Cruzeiro, clubes maiores. Estabelece-se um padrão de direitos humanos, e ela é aplicada contra todos os clubes”, diz.
Andrei finaliza o raciocínio exigindo mais efetividade no combate ao racismo por parte das instituições, para além das campanhas. “O combate ao preconceito e a proteção de direitos humanos precisa ser efetiva. Não adianta campanha de marketing, na camisa, faixa nos estádios, se não há um trabalho efetivo de punição. O direito tem essa força educativa, gera conduta. As pessoas começam a ver que se tiverem determinada atitude, serão punidas”, afirma.