Junto com a implementação das Sociedades Anônimas de Futebol (SAFs) no Brasil, nasceram diversas expectativas. Maior organização, mais transparência e, principalmente, mais controle financeiro entraram no horizonte de quem acompanha o futebol no país. Porém mais de três anos depois da sanção da Lei da SAF, em 6 de agosto de 2021, ainda há clubes que, mesmo após adotar o novo modelo de gestão, seguem com dificuldades de se organizar financeiramente.
A questão será um dos temas em debate na Confederação Nacional do Futebol 2025 (Conafut 2025). Organizado pela Trevisan Escola de Negócios e pela THE360, o evento será realizado no Mineirão e vai reunir gestores do futebol para networkings e debates sobre diversos temas ligados à administração esportiva. E a quebra de expectativa por mais organização e austeridade no futebol mesmo com as SAFs será pauta.
O alto nível das dívidas mesmo com crescimento de arrecadação é algo que chama a atenção do especialista em gestão do esporte Fernando Trevisan. Formado em jornalismo, bacharel em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas e especialista em Marketing Esportivo, o diretor-geral da Trevisan Escola de Negócios aponta que o faturamento dos clubes tem crescido de forma significativa, porém as dívidas estão seguindo o mesmo caminho.
“Hoje o faturamento supera os R$ 10 bilhões anuais, no caso dos clubes da Série A do futebol brasileiro. Ao mesmo tempo, a dívida também alcança patamares inéditos, são mais de R$ 14 bilhões de dívidas. Apesar dos clubes arrecadarem cada vez mais, os gastos crescem de maneira superior ao crescimento da receita, e aí naturalmente os déficits aumentam e o endividamento aumenta. Isso olhando o cenário como um todo, mas a gente tem muita diferença de clube a clube. Tem clube que tem superávit, tem clube que tem endividamento controlado, tem clube que tem endividamento crescente e um déficit recorrente”, aponta Fernando.
Fernando entende que o endividamento alto dos clubes não está diretamente ligado ao modelo de gestão. Apesar de apontar que o formato de associação, em princípio, não tem tanto zelo pela austeridade financeira, o especialista ressalta que SAF não significa necessariamente menos gastos, nem associação é sinônimo de descontrole de gastos.
“A expectativa com a nova lei que criou as SAFs era de que haveria um incentivo ao maior cuidado, que os clubes virassem realmente empresas e assim adotassem as práticas corporativas que fazem parte do dia-a-dia de uma empresa como em outro setor. E, de fato, alguns clubes conseguiram avançar neste sentido. Por outro lado, outros que se mantiveram no modelo associativo também conseguiram avançar para uma gestão mais cuidadosa, mais profissional”, comenta.
Fernando também entende que, talvez, ainda esteja muito cedo para exigir um nível mais alto de organização dos clubes, tendo em vista que a Lei da SAF é recente. Ademais, a cultura do futebol brasileiro, que ainda é de muita pressão e cobrança por resultados imediatos, também é um obstáculo para o controle de gastos.
“Talvez a gente estava sendo muito otimista ao imaginar que essa mudança fosse acontecer de forma rápida, porque existe uma busca por um equilíbrio e a gente está falando de um ambiente de muita paixão, de muita cobrança por parte do torcedor, que também está em processo de aprendizado”, diz Fernando, que prega um papel importante do torcedor para que os clubes consigam ser mais austeros com as contas.
“O torcedor também precisa entender que às vezes é importante não investir em uma contratação fora das possibilidades, ainda que o desempenho em campo vá ser afetado num primeiro momento, mas com vistas a um longo prazo mais exitoso, mais tranquilo. Então também tem o lado do torcedor nesse processo de aprendizagem. O futebol está cada vez mais caro, está sendo muito difícil você competir sem um grande volume de investimento”, considera.
Para Fernando Trevisan, o futebol brasileiro ainda está em uma espécie de transição entre os modelos associação e SAF. O analista enxerga um cenário promissor à medida em que os torcedores e gestores se adaptarem ao novo modelo de administração e ressalta, novamente, que cada clube, seja qual forma de administração escolher, pode ter sucesso, desde que a responsabilidade seja o norte.
“Acho que é um momento de uma fase de transição, que deve caminhar para algo mais sólido, mais estruturado num médio e longo prazo. E também vale lembrar que a gente tem diferentes modelos tanto de clube associativo quanto de SAF. E o perfil do dono também, o perfil de quem comprou, qual é o olhar dele, qual é o modelo de gestão dessa empresa, dessa pessoa. Tudo isso são variáveis que não são dadas e que não é possível ter um padrão único. Caso a caso, os clubes vão ter que buscar o seu melhor caminho”, finaliza.