CONTAMINAÇÃO
Sumiço do dinheiro da Cervejaria Backer intriga advogados das vítimas
Sócios da Backer teriam feito mudanças no quadro societário da empresa para driblar investigações
Publicado em 26/10/20 - 03h00
Izabela Ferreira Alves
Advogados das 29 vítimas incluídas no inquérito policial da Backer – dez delas já falecidas, todas intoxicadas pelo dietilenoglicol presente em cervejas produzidas pela fábrica –, juntamente com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), buscam provocar o Judiciário sobre a seguinte questão: onde foi parar o dinheiro da empresa? Desde que surgiram as primeiras denúncias de contaminação dos produtos, em janeiro deste ano, uma série de articulações teria sido feita para ocultar o patrimônio da família Khalil Lebbos, detentora de um grande grupo econômico que inclui a Backer.
Em fevereiro, o juiz Sérgio Henrique Cordeiro Caldas Fernandes determinou o bloqueio de R$ 100 milhões em bens da cervejaria. Contudo, a resposta dada pelo Banco Central (BacenJud) foi a de que havia apenas R$ 12,2 mil em duas contas da empresa. Uma surpresa para todos os autores da ação pelo fato de a Backer ser uma das mais promissoras organizações – ela foi eleita a maior das Américas na Copa Cervezas de América de 2019, concurso renomado internacionalmente. O faturamento da empresa foi de R$ 72 milhões em 2019, conforme declarado pelos donos.
Em maio, um dia antes de a Polícia Civil divulgar o resultado da investigação, a Backer abriu uma conta vinculada ao processo cível e depositou R$ 200 mil, valor considerado pelos procuradores de Justiça “ínfimo em relação ao montante necessário” ao mínimo custeio de despesas médicas das vítimas. Segundo a Backer, o recurso teria sido obtido por meio de empréstimo com bancos, mas, nos autos do processo ao qual teve acesso, não há comprovação dessa operação financeira.
Mudanças. Conforme fontes contaram à reportagem sob anonimato, nas primeiras reuniões entre os advogados das vítimas e os da Backer, havia orientação do MPMG para que os encontros funcionassem como mesa de negociação para acordos de ressarcimento e de indenizações. No entanto, a empresa solicitava o envio, por e-mail, das despesas médicas e, no local, submetia os presentes a um questionário em que se perguntava se a pessoa havia bebido outras cervejas no fim de 2019, se era usuária de drogas e se tinha problemas psicológicos.
O MPMG, então, fixou prazo de 48 horas para a empresa dar retornos às solicitações de custeio de tratamentos médicos. Como não houve o pagamento, os procuradores ajuizaram ação civil. A partir daí, teve início uma mudança no quadro societário de algumas empresas da família Khalil Lebbos.
Os sócios da Cervejaria Três Lobos, razão social do nome fantasia Backer, não têm mais participação, por exemplo, na Empreendimentos Khalil, uma das mais importantes sociedades empresariais do clã, no ramo imobiliário, conforme quadro societário declarado em fevereiro.
Com a blindagem, se a Justiça entendesse que outras organizações do grupo deveriam também responder, com seus patrimônios, às sanções do processo cível – tanto ao longo da tramitação quanto da sentença –, isso já não seria mais possível, pois os réus não mais compunham o quadro societário dessas empresas.
Outra mudança envolve o restaurante inaugurado no BH Shopping, na capital mineira, em janeiro. A princípio, o PUB ia se chamar Cozinha de Fogo Backer. Hayan Franco Khalil Lebbos, sócio da Backer, foi retirado da composição societária do novo empreendimento. Uma alteração contratual cedeu todas as cotas para um terceiro, Ralph Araújo Marcellini.
Entretanto, Rhaner Halim Khalil Lebbos, membro da família, não deixou de comemorar em suas redes sociais, mesmo depois de o estabelecimento não estar mais em nome do clã, a inauguração do restaurante, que deixou de ter a Backer como fornecedora de cerveja e se associou à marca Walls.
Advogado da cervejaria não fala
O novo advogado da Backer, Élcio Cambraia, foi procurado por meio de ligações telefônicas ao longo de toda a semana passada, entre os dias 19 e 23. A primeira chamada foi feita na terça-feira, às 17h54. Ao advogado foi questionado como poderia uma empresa, com faturamento de R$ 72 milhões, ter apenas R$ 12,2 mil em suas contas e sobre o objetivo das várias mudanças societárias feitas nas empresas do grupo econômico do qual a Backer faz parte. A reposta dada pelo advogado, pelo WhatsApp, foi: “Não são perguntas. São afirmações. Não vou dar entrevista para validar informações que não correspondem à realidade. Sinto muito”.
Limite de bens ainda é imbróglio
Outro capítulo à parte nessa história é o limite de bloqueio de bens da Backer, hoje com valor indefinido. Em fevereiro, o juiz do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) Sérgio Fernandes havia autorizado o bloqueio de R$ 100 milhões. Mas a quantia foi reduzida para R$ 5 milhões pelo desembargador Luciano Pinto, a pedido da Backer, argumentando que o valor “se mostra razoável e proporcional para assegurar eventual provimento da ação principal”.
Posteriormente, o desembargador Evandro Lopes achou os R$ 5 milhões insuficiente e aumentou o bloqueio para R$ 50 milhões. Ele pontuou na decisão, inclusive, que a Backer vinha adotando medidas que dão a entender “ocultação de patrimônio”, conforme mostrou reportagem de O TEMPO em março. Mais uma vez, no entanto, Luciano Pinto fixou o bloqueio em R$ 5 milhões.
Segundo o andamento processual, as decisões ainda são indefinidas porque foram tomadas por apenas um desembargador. Evandro Lopes é o responsável pelas questões urgentes do caso Backer, na qualidade de relator.
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