Há mais de três anos, pais, filhos, irmãos, familiares e amigos de Carolina da Cunha Pereira França Magalhães aguardam por justiça, 1.168 dias depois a morte dela. Eles convivem com a dor dilacerante, causada pela trágica perda, e o sentimento de revolta, provocado pela sensação de impunidade. Aos 40 anos, a advogada teve a vida ceifada, segundo as investigações da Polícia Civil e do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), após ter sido agredida e arremessada do oitavo andar do edifício onde vivia com os dois filhos, no bairro São Bento, na região Centro-Sul de Belo Horizonte.
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Nesta quarta-feira (20/8), pessoas próximas a Carol - como a vítima era carinhosamente tratada - prometem fazer mais uma manifestação para cobrar que o acusado, Raul Rodrigues Costa Lages, de 45 anos, pague pelo crime. O ato será em frente ao prédio da Vara de Execuções Penais do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), no Barro Preto, em Belo Horizonte, a partir das 14h. Neste horário, está previsto o depoimento do advogado que responde pelo crime e com quem a vítima teve um relacionamento conturbado por cerca de um ano e meio.
O caso, ocorrido na noite de 8 de junho de 2022, ganhou novo contorno 839 dias depois, quando Lages foi denunciado pelo MPMG por homicídio triplamente qualificado contra a então namorada (veja mais detalhes abaixo). A denúncia foi acatada pelo 1º Tribunal do Júri de Minas Gerais, em novembro passado, quando o suspeito se tornou réu.
Em maio deste ano, Ana Carolina Rauen Lopes de Souza, juíza sumariante - responsável pela primeira fase do julgamento dos crimes dolosos contra a vida - do 1º Tribunal ouviu as testemunhas de acusação e defesa. À época, a magistrada autorizou que novas provas fossem anexadas ao processo. Com isso, o interrogatório de Lages foi remarcado para esta quarta-feira. Após o réu ser ouvido, estima-se que, até o fim deste ano, a Justiça decida se ele será levado a júri popular.
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Desde o episódio que culminou com morte de Carolina, a família da advogada sempre desconfiou da justificativa apresentada pelo acusado para o desfecho fatal. O réu, conforme consta no processo a que a reportagem do Super Notícia teve acesso, alega que a namorada teria se jogado pela janela após mais uma discussão.
No dia do crime, Lages deixou o prédio com objetos em duas sacolas e não foi conduzido à delegacia pelos policiais que atenderam a ocorrência. À época, ele sustentou que a vítima teria se suicidado, embora houvesse indícios que apontassem para homicídio. “Nunca tivemos dúvida de que ela havia sido assassinada”, afirma Demian Magalhães, advogado de 42 anos e irmão de Carolina.
Interrogatórios
No último 28 de maio, um policial militar que participou da ocorrência, declarou em juízo que, na noite do crime, a guarnição recebeu um contato dizendo que não seria necessário conduzir Lages à delegacia para prestar esclarecimentos. O militar, porém, informou à juíza que não se recordava de quem havia partido a ordem.
A conduta, entre outras falhas apontadas pela família, criou embaraços à investigação e dificultou a elucidação do fato, que por dois anos foi tratado como suicídio.
“Não acreditamos que o policial não se lembre de onde partiu a ordem para não conduzir o Raul (Lages). É algo que, em última instância, a família também vai cobrar. O governo estadual deveria investigar”, critica Magalhães.
Revolta
Familiares de Carolina contam que, no período de 2 anos e três meses - tempo entre a data do crime e a denúncia oferecida pelo MPMG contra Lages -, o réu levou a vida normalmente, enquanto os parentes seguiram um verdadeiro martírio. Até hoje, o suspeito responde ao crime em liberdade.
“É um absurdo saber que ele está por aí, como se nada tivesse acontecido, relacionando-se com outras mulheres, depois de tudo o que fez com minha mãe. Depois de ter tirado a coisa mais importante da minha vida e da vida do meu irmão. É extremamente revoltante”, desabafa Vitor Cunha França Magalhães de Almeida, de 21 anos, filho de Carolina.
O rapaz e o irmão Lucas Amir Cunha Magalhães de Almeida, de 25, mudaram-se para a casa dos avós, que fica a cerca de 300 metros de onde moravam com a mãe.
“Nossa relação era muito próxima, não só de mãe e filhos, mas de amizade mesmo. A dor do luto permanece, assim como a saudade. Há dias que ainda são muito difíceis e sempre serão. Mas, ao longo do tempo, vamos ressignificando isso tudo, sabe? Sei que por trás de tudo há um propósito maior, e sei que ela está nos acompanhando em todos os momentos de nossas vidas. Estamos juntos da nossa família, morando com nossos avós, e isso ajuda muito. Eu e meu irmão estamos sempre juntos, como nossa mãe sempre quis e nos ensinou. Ela nos criou dessa forma, demonstrando que a amizade de irmão é a coisa mais valiosa que pode existir. Então, seguimos sempre juntos, graças a ela e aos ensinamentos que ela nos transmitiu”, conta Vitor.
Os irmãos têm carreira musical e, paralelamente, estudam direito e fazem estágio no escritório dos avós. “Vamos seguindo, um dia após o outro. Ainda que tudo o que aconteceu continue circulando na minha cabeça e seja impossível de esquecer, ao imaginar a crueldade e os momentos terríveis que minha mãe passou. Mas, como disse, é um dia após o outro, tendo a família por perto”, resigna-se.
Alerta a outras mulheres
Embora tenha apenas 21 anos, Vitor demonstra maturidade para encarar sua maior perda. Além de cobrar justiça pelo crime cometido contra a mãe, o jovem faz um alerta: “Nada pode trazê-la de volta, mas a justiça ser feita significa, mais do que ele pagar pela atrocidade cometida. Significa proteger tantas outras mulheres que estão correndo riscos e nem imaginam. Trata-se de proteger a nossa família, honrar a memória da minha mãe”, afirma.
Após a morte de Carolina, a família criou um perfil no Instagram para manter o fato em evidência e pressionar por uma solução. De lá para cá, Demian conta que foram enviados vários relatos sobre o acusado.
“Recebemos muitas notícias de pessoas que viam ele normalmente na rua. Em boates, com outras mulheres. Em Belo Horizonte ou em outro estado. Gente que eu nem conheço, mas contava que ele estava levando a vida numa boa”, revela o irmão de Carolina.
‘Sua morte não pode ter sido em vão’, cobra uma amiga
Embora a morte de Carolina ter provocado revolta em muitas pessoas que conviveram com ela, uma das amigas prefere não ressaltar esse sentimento. “Prefiro não falar de revolta, pois a Carol foi o contrário disso”, argumenta a mulher que não será identificada. “Tenho muito medo dele (Raul) ”, justifica.
Segundo ela, a brutalidade da morte da Carolina foi o oposto à forma doce e bondosa como ela viveu e tocou a todos que a conheceram. “Carol foi uma pessoa íntegra e generosa, que emanava amor com suas palavras e em suas atitudes. Ela foi uma mãe exemplar, uma filha maravilhosa, uma amiga verdadeira e uma advogada competente. A ausência da Carol é dolorosa, e a saudade que ela deixou traz consigo um clamor por Justiça”, cobra.
Infelizmente, lamenta a amiga, Carolina não voltará mais. “Mas a sua morte não pode ter sido em vão. Diante da generosidade com que ela conduziu a vida, espero que a repercussão sobre a sua partida sirva não apenas para escancarar que a violência doméstica é silenciosa e está presente em todas as classes sociais. Mais do que isso, para evitar que outras mulheres, desta e das futuras gerações, sejam vítimas de violência”, destaca.
Relembre o crime
Conforme consta no inquérito policial que resultou na denúncia do Ministério Público, Carolina e Lages namoraram por cerca de um ano e meio, entre términos e reconciliações. Nesse período, sustenta a investigação, a advogada foi vítima de violência patrimonial, psicológica e física, a exemplo da agressão que resultou em sua morte.
Consta no processo que, no dia do crime, na noite de 8 de junho de 2022, por volta das 23h11, “o denunciado, agindo com dolo de matar, agrediu a vítima e a jogou do oitavo andar do edifício, causando-lhe ferimentos que, por sua natureza e sede, foram a causa eficiente de sua morte”, descreve um trecho da denúncia.
Ainda conforme o inquérito policial, na noite do fato, houve uma discussão entre Lages e a vítima, com arremessos de objetos, vindo o réu a agredir Carolina. Ela teria sido lançada ao solo, em situação que a impossibilitou de utilização de qualquer meio defesa. Estando a vítima desacordada, Lages teria passado a limpar cômodos e a colocar roupas de cama para lavar.
Posteriormente, segundo a investigação, ele corta a tela de proteção da janela da varanda da sala e lança Carolina do oitavo andar. Um dos vizinhos ouviu o barulho do corpo da vítima caindo ao solo e interfonou ao porteiro para informar sobre a situação. Quando o funcionário do edifício foi até a área de lazer do condomínio, constatou se tratar de Carolina, que teve o óbito confirmado no próprio local.
Defesa
A defesa do acusado foi procurada, mas não foi localizada para se manifestar sobre o caso até a publicação desta reportagem.
Um advogado criminalista que teve acesso ao processo e pediu para não ter o nome citado na reportagem explicou que o réu, caso seja condenado pelo crime de homicídio triplamente qualificado, poderá ter uma pena elevada.
“As qualificadoras foram feminicídio, motivo torpe e uso de meio que dificulta ou impede a defesa da vítima. A qualificadora de feminicídio, atualmente, pode aumentar a pena até 40 anos, mas o fato ocorreu antes da alteração da lei. Então, a pena máxima nesse caso é de 30 anos”, explica o especialista.