Enquanto o Atlético mostra evolução, sonha com o bicampeonato e pode se classificar para o mata-mata da Copa Libertadores nesta noite, o América de Cali, da Colômbia, adversário na partida que vai começar às 21h (de Brasília), vê mais uma participação na competição continental próxima do fim e sem alcançar a glória.
Sem vencer há cinco jogos, o América foi eliminado nas quartas de final de seu campeonato nacional, está sem treinador e é o lanterna do grupo H da Libertadores.
A fase do atual bicampeão colombiano não é das melhores e está longe de lembrar o auge do clube na década de 1980, com um histórico pentacampeonato colombiano e três finais consecutivas de Libertadores, todas, porém, terminando em vices. Por outro lado, o momento é muito melhor que o pior de sua história, na década passada, em crise e na segunda divisão nacional. E tanto o auge quanto o fundo do poço do América de Cali estão conectados ao narcotráfico na Colômbia.
Do jejum para a glória
A história do clube começa em 1918, com as cores azul e branco, inspiradas no Racing, da Argentina, mas a fundação oficial do América como hoje conhecemos, é em 1927.
O time de Cali tinha e tem uma torcida muito apaixonada, mas que sofreu muito nos primeiros 52 anos de história do clube. O América, até o final da década de 1970, não era nem sombra do que se tornou nos anos seguintes. Até 1978, não tinha conquistado um Campeonato Colombiano sequer, enquanto o Deportivo Cali, rival local, já era cinco vezes campeão e outros gigantes como Millonarios e Santa Fé, tinham dez e seis títulos, respectivamente.
O América de Cali tinha uma torcida apaixonada e uma história rica, repleta de figuras históricas, grandes jogos e acontecimentos místicos, mas sem títulos. Isso, porém, mudou em 1979, e com interferência direta do narcotráfico.
E não só o clube, mas todo o futebol colombiano. No fim dos anos 1970 e nas décadas de 80 e 90, a presença de chefes do narcotráfico na direção de equipes do país era comum e tinha o objetivo de lavar dinheiro e camuflar a atuação no mundo do crime, e o fato transformou não só o América, mas o futebol local.
Em Bogotá, José Gonzalo Rodríguez Gacha, famoso como 'El Mexicano', era influente no Millonarios. Já Fernando Carrillo Vallejo controlava o Independiente Santa Fé, depois também controlado por outros narcotraficantes. O mais famoso de todos, Pablo Escobar, líder do Cartel de Medellín, sempre foi apontado como nome poderoso no Atlético Nacional e no Independiente Medellín. Até mesmo clubes pequenos tinham "narcos" no controle, publicamente ou nos bastidores. Com enorme investimento vindo do narcotráfico, além de clubes com mais força e destaque continental, a seleção colombiana também deu um salto com gerações repletas de jogadores muito talentosos. Os Cafeteros, que nunca tinham se classificado para disputar uma Copa do Mundo na história e não tinham muito destaque, disputaram três seguidas em 1990, 1994 e 1998, passaram a ter destaque na Copa América e ainda aplicaram a histórica goleada por 5 a 0 sobre a Argentina em Buenos Aires.
Já o América de Cali tinha os irmãos Gilberto e Miguel Rodríguez Orejuela, chefes do Cartel de Cali, rivais de Pablo Escobar e proprietários ou acionistas de vários empreendimentos, como os laboratórios Kressford, a rede de drogarias La Rebaja, o Banco dos Trabalhadores, o grupo de emissoras de rádio Radial Colombiano e um banco no Panamá, entre outros. Antes do clube, porém, eles tentaram comprar ações do Deportivo Cali, mas foram impedidos pelo presidente Álex Gorayeb e pelo estatuto da equipe, que impedia acionistas majoritários, como queriam os Orejuela. Desejando entrar para o mundo do futebol, os narcotraficantes viram a oportunidade, então, no rival América, de grande e apaixonada torcida, mas sem títulos.
E o impacto foi imediato. Com a influência direta e o dinheiro dos chefes do Cartel de Cali, o clube encerrou o jejum de mais de 50 anos e conquistou o Campeonato Colombiano pela primeira vez em sua história em 1979. No mesmo ano, ficou muito próximo de contratar uma jovem estrela argentina, já apontada como craque, campeã mundial sub-20 com sua seleção e acumulando artilharias em seu torneio nacional, apenas um tal Diego Armando Maradona.
No ano seguinte, os irmãos Orejuela se tornaram acionistas majoritários do América e Miguel passou até a fazer parte de uma junta diretiva formada no clube pelo então presidente Giuseppe “Pepe” Sangiovanni. O time de Cali, então, mudou definitivamente de patamar. Contratou estrelas do futebol sul-americano, nomes históricos como Roberto Cabañas, Julio Uribe e Ricardo Gareca, todos comandados pelo lendário técnico Ochoa Uribe, um dos maiores nomes da história do futebol colombiano, e estabeleceu uma hegemonia incrível na Colômbia com o pentacampeonato nacional entre 1982 e 1986, além de chegar em três finais seguidas de Copa Libertadores, em 1985, 1986 e 1987, mas perder todas.
O clube sem títulos, com os chefes do Cartel de Cali, agora não só dominava seu país, como tinha enorme destaque continental. Com quatro finais de Libertadores, o América se tornou o time colombiano com mais decisões disputadas no torneio, além disso, para a IFFHS, foi o 9º melhor clube sul-americano e o melhor colombiano no século XX. No total, com a influência dos "narcos", contando as glórias posteriores na década de 90, foram nove títulos colombianos e quatro vices na Libertadores, considerando também a derrota na decisão de 1996 para o inesquecível River Plate-ARG de Francescoli, Crespo e Ortega, repetindo a queda para os argentinos na decisão de 86. Enquanto as glórias dentro de campo enfim eram alcançadas, porém, crimes eram cometidos nos bastidores e os irmãos Orejuela usavam o clube para lavar o dinheiro vindo do tráfico de drogas.
Da glória para o fundo do poço
Depois de alcançar o céu, porém, o clube viveu o caos a partir do final da década de 1990. Com a morte do rival Pablo Escobar, em 1993, o Cartel de Cali passou a ter a hegemonia do tráfico de drogas colombiano, e os irmãos Orejuela passaram a ser os traficantes mais procurados do país. Ambos foram presos em 1995 (atualmente os dois cumprem pena nos Estados Unidos e as prisões estão previstas para ser cumpridas até 2043), e o América foi castigado nas décadas seguintes pelo envolvimento com os narcotraficantes.
O governo do então presidente estadunidense Bill Clinton, criou, no mesmo ano da prisão dos irmãos Orejuela, a Lista Clinton, como parte de uma série de medidas contra drogas e lavagem de dinheiro. A Lista Clinton declarou os cartéis de droga colombianos como ameaça à segurança nacional e economia dos Estados Unidos, e as pessoas físicas ou jurídicas na lista, que recebiam dinheiro do tráfico, não podiam realizar transações financeiras e ter negócios comerciais com os EUA e empresas estadunidenses, muito menos entrar no país.
Usado pelos irmãos Orejuela para lavar dinheiro, o América de Cali não só entrou na lista, em 1999, como a integrou por 14 anos. O clube teve contas bancárias suspensas, foi impedido de entrar nos Estados Unidos por 14 anos e perdeu poder financeiro com empresas passando a evitar fazer negócios com a agremiação e a perda de patrocinadores.
O América até conquistou quatro títulos colombianos ao longo dos anos 2000, mas a situação era insustentável e o clube sempre precisava abrir mão de seus principais jogadores e vender suas promessas para conseguir se manter. A renda vinha apenas disso, direitos de transmissão e a compra de produtos e ingressos por parte dos torcedores. Pouco a pouco, o caos financeiro foi minando o clube. Em crise, a agremiação passou a acumular dívidas e acabou rebaixada para a segunda divisão em 2011.
A reconstrução
A situação que já era difícil, alcançou status de completamente caótica, com ameaça de falência, mas o clube acabou salvo por sua torcida e pela criação de uma sociedade anônima incentivada pela prefeitura em 2012. No ano seguinte, a agremiação fez as pazes com os Estados Unidos e deixou a Lista Clinton, o que abriu espaço para a recuperação econômica, com maior facilidade para entrar em acordo com seus credores e obter novas fontes de renda. Mesmo com o nome limpo, o América ainda seguiu mais quatro anos na segunda divisão colombiana antes de conseguir se recuperar, voltar para a elite do futebol de seu país e reaver também o protagonismo, com o atual bicampeonato nacional.