“Elogio em boca própria é vitupério”, preceitua um provérbio português. Por essas e outras que a deferência, advinda de pessoas com história e relevância, ganha uma dimensão talvez imensurável. É dessa forma que alguns ídolos do Cruzeiro têm avaliado a saída do goleiro Fábio do clube. Personagens marcados para sempre na trajetória de 101 anos, que também enxergam no agora ex-camisa 1 da Raposa um ícone.
“Como toda a nação azul, fiquei chocado. Jamais esperava que ele fosse sair dessa forma. Sou da época de futebol de puro coração. O ser humano está perdendo o seu valor. Uma coisa que admiro no ídolo é a simplicidade, e o Fábio tem tudo isso. É um bom exemplo, um líder. Faltou carinho com a história que ele tem. Trataram-no com ingratidão”, opina o lendário camisa 10 Dirceu Lopes. Para muitos, o maior que já envergou o uniforme estrelado.
O ex-craque conta ter tido muitos contatos com Fábio em todos esses anos. Enaltece o comportamento do goleiro sempre que se encontravam, a ponto de deixá-lo “desconfortável”.
“A última vez que estive na Toca foi em setembro passado. Ele saiu de onde estava e foi falar comigo. Sempre foi assim, diferenciado. O futebol me proporcionou a dádiva de conhecer as maiores personalidade do mundo, no futebol, na política, na música... Eu tive esse privilégio, e o Fábio foi uma dessas pessoas. Sempre tive problema de timidez, depois de 'velhinho' estou melhorando um pouco. Por isso, ele me deixava 'constrangido' porque toda vez ficava me exaltando como um ídolo, dizendo que eu era o número 1”, recorda-se.
O Príncipe, como se eternizou Dirceu Lopes, foi protagonista do Cruzeiro que ultrapassou as fronteiras de Minas e tornou o nome da Raposa nacional, com o título brasileiro de 1966, diante do Santos de Pelé e cia. Somente em 2003, surgiu o herdeiro legítimo da 10 usada por ele: Alex, o ex-meia que avalia Fábio como lendário.
“Daqui a algumas décadas, quando estivermos falando de futebol e do Cruzeiro, será impossível não citar o nome dele. É uma lenda. Na hora de escolher os melhores ou aqueles realmente importantes na história, ele estará. Não é todo dia que encontramos uma história tão forte de um atleta com o clube, como é a do Fábio com o Cruzeiro”, define o talento máximo da Tríplice Coroa.
“O que posso falar do Fábio é agradecer. Eu, como um cara apaixonado por futebol e com a minha história ligada ao Cruzeiro, vê-lo durante tantos anos defendendo o clube é algo que só tenho agradecer”, acrescenta Alex.
O atual treinador do sub-20 do São Paulo conversou com o goleiro após o anúncio da sua saída. Embora não tenha entrado no mérito e na forma como os donos do Cruzeiro trataram a ruptura, foi solidário ao ex-companheiro de profissão.
“Telefonei para desejar muita sorte naquilo que for fazer daqui para frente, porque realmente não é fácil essa quebra de vínculo como aconteceu com ele. Vivi isso na pele e sei as dificuldades que trazem para o atleta e para toda a família. Mas, vai passar. O carinho e apoio que a torcida passam para ele vão dar um conforto para atravessar bem por esse momento muito delicado”, aposta Alex.
O ex-lateral Nonato também está na galeria de ídolos do Cruzeiro. De 1990 a 1997, conquistou mais de uma dezena de títulos e foi capitão do time por longo período. Mais um admirador de Fábio, que questiona a forma como a saída ocorreu. “Avalio de maneira triste. Poderia ter sido conduzida de uma melhor maneira. Entendo o lado financeiro da empresa que assumiu o clube, mas estamos falando de um cara que ficou 16 anos no Cruzeiro e sempre foi decisivo”, argumenta.
Ex-comandante do bi brasileiro exalta profissionalismo
O técnico Marcelo Oliveira comandou Fábio por quase três anos, quando conquistaram o bicampeonato brasileiro (2013-2014). “Fábio é um líder pela postura, um profissional impecável. Sempre chegava mais cedo e era o último a sair. Só tenho elogios e agradecimento porque ele foi muito importante nas nossas duas conquistas”, elogia.
O treinador define Fábio como muito “calado, discreto”. No entanto, ressalta que o jeito mais pacato do atleta não tem relação com desinteresse ou omissão no dia a dia de trabalho.
“Houve uma vez que fizemos uma reunião, logo no início da temporada. Tínhamos um problema e chamei também os outros mais experientes, aqueles que tinham liderança, com passagens por outros clubes como Borges, Dedé, Dagoberto. Aconteceu um bate-boca super saudável, porque depois daquilo a gente se uniu ainda mais. Foi algo que precisava ser feito naquele momento. O clima da reunião ficou acirrado e, depois, as coisas andaram muito bem, só crescemos. O Fábio era mais na dele, tranquilo, mas, em momentos assim, sempre se posicionou de maneira firme”, relembra.
Sobre um momento marcante do goleiro em campo, o técnico aponta ser difícil mencionar algo pontual, específico. “Foram várias atuações sempre positivas. É curioso porque se me perguntar de um lance em que ele falhou eu não me lembro. Todo goleiro corre esse risco, de pegar cinco bolas milagrosas e, de repente, num lance mais fácil, calcula mal, não está tão concentrado e aceita. Em relação ao Fábio, não me lembro de nenhum episódio assim”, diz.
Em relação à forma como ele deixou o clube, Marcelo pondera: “Quando um clube vira empresa, o dono precisa resolver as questões. Assaltaram o Cruzeiro, está devendo muito, mas o Fábio merece ser tratado com muito respeito e gratidão. Minha preocupação do clube-empresa é o jogador virar só um número. O dono tem de olhar o lado dele, mas o futebol tem um componente emocional forte, relação de sentimento, de afeto”.
“Não se pode avaliar Fábio pela idade”, afirma ex-volante Fabrício
O ex-volante Fabrício foi companheiro de Fábio no Cruzeiro por quatro anos (2008-2011). Além de reconhecer a importância do goleiro na história estrelada, ele avalia a saída como perda técnica. “Ele é passado e presente. Pelo que acompanhei, está jogando no mesmo nível de quando fomos companheiros há dez anos. A temporada passada do Cruzeiro só não foi pior por causa dele. Está entre os melhores do Brasil, em condições de jogar em qualquer clube. Sem contar o tanto que ajuda o grupo, sempre com uma palavra positiva, muito correto. Além disso, ter um ídolo como ele nessa reestruturação sempre ajuda”, avalia.
Fabrício se mostrou insatisfeito com a maneira utilizada pelo Cruzeiro para se referir a Fábio (“goleiro de 41 anos”), em nota publicada no último 6 de janeiro, para explicar o rompimento. “Não se pode avaliá-lo pela idade, mas pela forma como ainda está atuando, em alto nível. Torço para que tudo dê certo, mas não foi um atitude correta”, critica.
O ex-jogador enviou mensagem ao goleiro, mas ainda não teve retorno. “Não falei com ele ainda, mas imagino o quanto está doído, machucado. Ninguém esperava por isso”, afirma.
A exemplo do técnico Marcelo Oliveira, Fabrício reforça o comportamento de Fábio no dia a dia, “na dele, mais quietão”. Contudo, relata como o jogador mudava completamente na hora H.
“O que mais me marcou no período em que convivi com ele é como se transformava em dias de jogos, naquele momento antes de entrar em campo. Mesmo quando não estava como capitão, pedia a palavra e mostrava como queria ganhar, como gostava do clube. Podia ser a primeira partida do campeonato ou final, contra time pequeno ou grande, a motivação e a garra dele era as mesmas. Isso também nos motivava demais”, reconhece.
Fabrício, mais uma vez, acompanha Marcelo Oliveira quando questionado sobre o grande momento que compartilhou com o camisa 1 nos gramados.
“O Fábio nos salvou tantas vezes, que não consigo citar, digamos, uma grande defesa, uma atuação. Quando tinha pênalti, diferentemente do que costuma ocorrer, ele era o favorito. Nas correções que fazíamos após as partidas, quando o treinador mostrava o vídeo, cansei de escutar: 'temos de corrigir um monte de coisas, porque se não fosse o Fábio poderia ter sido muito pior'”, revela.