O meio do esporte foi afetado de diversas forma pela pandemia do coronavírus. O 'novo normal' exige testes frequentes dos clubes, menos pessoas nos estádios, entre tantos outros protocolos de segurança. O que também sofreu grande modificação foram os acordos, contratos e vínculos, que precisaram ser repensados em uma realidade com menos receita e necessidade de alteração do que foi acordado inicialmente.

Neste âmbito, o direito desportivo ganha uma importância ainda maior, sendo um meio necessário para o equilíbrio de todas as partes envolvidas, que precisam ter o bom senso de se adequar, sabendo se colocar no lugar do outro e entender que todos estão sendo afetados pelas dificuldades impostas pela Covid-19.

Entre os temas que são novidades no período, a Medida Provisória 984/2020, que permite aos clubes mandantes dos jogos escolherem a forma como a sua partida em casa será transmitida, estabelecendo uma nova discussão sobre o assunto, uma vez que contrato com a Rede Globo para os próximos anos já havia sido firmado. 

Este e outros assuntos foram debatidos no painel “Desafios do direito desportivo para o novo normal”, que aconteceu dentro do 'I Congresso Digital Covid-19: Repercussões Jurídicas e Sociais da Pandemia'. O evento é o maior e um dos mais importantes do segmento jurídico da atualidade, com mais de 100 mil inscritos e 513 palestrantes nacionais e internacionais.

O painel foi mediado por Davidson Malacco Ferreira, sócio-diretor do escritório Ferreira e Chagas Advogados e coordenador do curso de especialização de Direito Desportivo da PUC/MG. Além dele, participaram Leonardo Andreotti Paulo De Oliveira (Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo), Michelle Ramalho (Presidente da Federação Paraibana de Futebol) e Milton Jordão (Advogado. Membro da Comissão Especial de Direito Desportivo da OAB Nacional).

Confira a entrevista com Davidson Malacco Ferreira sobre a atuação do Direito Desportivo neste novo cenário.

Direito desportivo ganha uma maior importância agora com renegociação de contratos entre clubes e atletas, clubes e empresas, clubes e TV´s, etc?

Sem dúvida. Nessa era pós pandemia, novos paradigmas estão sendo construídos no Direito Desportivo, como foi o caso da MP 984/2020 que estabelece o pertencimento da entidade de prática desportiva mandante do jogo o direito de arena sobre o espetáculo desportivo. Esse cenário modifica todas as formas de negociações até então vigentes.

Vê algum destes lados com uma maior dificuldade para se adequar à nova realidade?

Os clubes que não têm uma gestão profissional terão mais dificuldades de se adequar à essa nova realidade negocial, o monopólio das transmissões televisivas não farão mais parte do novo normal, democratizando esse acesso a outros meios de comunicação e supervalorizará as mídias sociais e a utilização da tecnologia em streaming.

É fundamental que todas as partes envolvidas estejam propensas a ter bom senso para chegar num acordo no atual momento?

Não vivemos isso em pretérito recente na história da humanidade. Portanto, as soluções jurídicas tradicionais não se adequam ao presente caso e reforçam as formas alternativas de solução de conflitos, tais como a mediação e negociações coletivas trabalhistas, por exemplo.

Como ter equilíbrio entre contrato celebrado antes da pandemia e necessidades impostas pelo atual período? 

No Direito Desportivo, podemos aplicar a denominada teoria da imprevisão, ou seja, a necessidade de se atender o princípio da justiça contratual que pressupõe um equilíbro das prestações e obrigações dos contratos desportivos pactuados, no sentido de que os benefícios de cada parte contratante sejam proporcionais aos sacrifícios e dificuldades por eles vividos. Na esfera desportiva trabalhistas, tivemos o implemento da MP 936, que trouxe a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho e da redução proporcional da jornada de trabalho e de salários.

Criatividade pode fazer a diferença no atual momento? Algum exemplo que pode servir como inspiração e referência?

O foco da gestão do futebol profissional exige muita criatividade, pois as receitas dos clubes foram drasticamente atingidas, campeonatos paralisados, estádios sem torcida e ruptura de contrato de patrocínio, dentre outros prejuízos inimagináveis e dos quais não estávamos preparados. A solução passa pela aproximação imediata do clube ao seu torcedor na busca de experiências de fidelização e personalizadas.

Acredita que alguns casos de oportunismo vão aparecer, tentando se aproveitar do atual momento?

Isso pode acontecer, mas pela nível de exigência profissional hoje praticada em boa partes dos Clubes Esportivos mais tradicionais, dificilmente teremos tantos exemplos negativos, mas claro, o novo pode ser frustrante, mas o otimismo tem ser a regra.

MP que dá ao clube direito de escolher quem transmite seus jogos é bem-vinda? Em que ela pode ser aprimorada? Vê negociação coletiva como algo mais justo ou ideal é cada um negociando de forma isolada?

Vejo com muito entusiasmo a MP 984/2020, pois se trata de um novo paradigma negocial desportivo, quebrando um monopólio de receita televisiva para uma única emissora e democratiza a escolha a ser realizada pelo clube mandante, potencializando sua receita. Mas cuidado: ao meu sentir, para uma parte significativa dos clubes, a negociação individual não será a mais interessante para o aumento das receitas, lado outro, a negociação coletiva, esta entendida como a união de várias entidades desportivas para um fechamento de “pacote” de cotas mais expressivo quanto ao direito de arena sobre o espetáculo desportivo.

Realidade dos clubes, de altos salários pagos a jogadores e valor dos patrocínios, vai sofrer mudança?  

Tem que mudar. Inclusive, a legislação desportiva trabalhista que se aplica de forma indistinta ao atleta que ganha até dois salários mínimos e aqueles com remunerações acima de 200, 400 e 500 mil reais. O futebol não mais suporta essas contas milionárias que cedo ou tarde chegam, isso torna mais urgente a mudança da Lei Pelé, nesse aspecto.

Acredita na volta da realidade anterior quando tudo voltar ao normal? Ou mudanças na pandemia são um caminho sem volta?

O futuro foi ontem, nada mais voltará ao normal. Creio no futebol brasileiro, em sua gestão mais profissional, se aproximando de outros padrões mais modernos do mundo. Um sonho talvez, mas cada vez mais próximo desse novo normal, que valorizará cada dia mais o Direito Desportivo.