Ativos virtuais como criptomoedas, perfis monetizados em redes sociais e arquivos em nuvem representam um novo desafio para famílias e advogados em processos de inventário no Brasil. Especialistas apontam que tais bens digitais possuem valor econômico e sentimental significativo, mas são frequentemente esquecidos durante procedimentos sucessórios.

A herança digital, que compreende todos os conteúdos e ativos que uma pessoa acumula no ambiente virtual ao longo da vida, tornou-se uma questão relevante para qualquer pessoa que utilize serviços online, redes sociais ou aplicativos financeiros.

"A herança digital é um patrimônio que pode não estar visível no mundo físico, mas que existe e, muitas vezes, tem valor real, seja econômico ou emocional", explica a advogada Caren Benevento, sócia da Benevento Advocacia e pesquisadora do GETRAB-USP.

O patrimônio digital inclui contas em bancos digitais, aplicativos de investimento e perfis em plataformas com monetização ativa. Esses ativos diferem dos bens físicos tradicionais na forma como são tratados em inventários.

"O problema é que, diferentemente de um imóvel ou de uma conta bancária, esses bens nem sempre são lembrados ou devidamente incluídos no inventário", complementa Benevento.

Redes Sociais

As plataformas de mídia social apresentam desafios específicos no contexto sucessório. Perfis no Instagram com grande número de seguidores podem gerar receitas consideráveis por parcerias publicitárias e monetização de conteúdo.

Plataformas como Instagram e Facebook oferecem opções para transformar contas em perfis memoriais mediante apresentação de documentação. Empresas como Google e Apple exigem preparação prévia ou intervenção judicial para que familiares acessem dados de usuários falecidos.

"Influenciadores e empreendedores que atuam em plataformas precisam considerar esse ponto com atenção redobrada, o mercado digital virou ativo e, muitas vezes é legado empresarial", ressalta a advogada da Benevento Advocacia.

Dinheiro digital

A proliferação de contas em instituições financeiras digitais e carteiras virtuais torna o cenário sucessório mais complexo. Muitos valores não aparecem em documentação bancária convencional, permanecendo invisíveis durante procedimentos padrão de inventário.

As criptomoedas representam um caso particularmente desafiador. Armazenadas em carteiras protegidas por chaves criptográficas, podem tornar-se inacessíveis sem planejamento adequado. "Há casos que o montante existia, mas não pôde ser acessado porque ninguém sabia da existência ou da senha da carteira", alerta a especialista.

A advogada recomenda diálogo aberto sobre o tema, principalmente com familiares idosos que utilizam tecnologias digitais. "Conversar com pais e avós sobre herança digital pode evitar dores de cabeça futuras e proteger ativos importantes, especialmente quando há benefícios, pensões e valores acumulados em plataformas", avalia.

Exemplos de ativos que podem ser herança digital

Entre os ativos digitais com valor econômico que merecem atenção estão contas em fintechs, plataformas de cashback, saldos em diversos aplicativos, perfis no Instagram com monetização, royalties de obras digitais, domínios na internet e pontos acumulados em programas de fidelidade.

"É recomendável nomear um curador digital e utilizar ferramentas como gerenciadores de senhas com acesso delegado, para garantir que esse patrimônio não desapareça com a partida do titular", orienta Benevento.

O sistema judiciário brasileiro tem se adaptado a esta nova realidade digital. "Os tribunais brasileiros já têm aceitado a inclusão de ativos digitais em inventários, desde que haja provas da titularidade. Quanto ao conteúdo afetivo (como mensagens, fotos ou vídeos pessoais), o Judiciário costuma ponderar entre o direito à intimidade do falecido e o interesse legítimo dos herdeiros à memória, à homenagem e ao luto", afirma a advogada.

Especialistas alertam que acessar contas de terceiros sem autorização legal pode configurar crime, independentemente dos vínculos familiares. O acesso não autorizado a perfis e contas digitais pode resultar em complicações legais, mesmo quando a intenção é preservar memórias ou recuperar informações importantes.