Um passeio a pé pelo centro histórico de Belém deveria fazer parte da visita do turista à cidade, mas não é recomendado. A capital paraense tem um conjunto de edificações históricas com mais de 6.000 imóveis, segundo a Associação dos Amigos do Patrimônio de Belém, porém malconservados, abandonados mesmo, literalmente caindo aos pedaços, em uma região com muitos moradores de rua, lixo acumulado e comércio ambulante. A chamada “Cidade Velha”, se não for recuperada pelo poder público, pode apagar boa parte da memória paraense. “Calçadas irregulares, lixo, paredes de construções descascando, casarões caindo, gente em situação de rua e invasão de ambulantes têm gerado tristeza. O centro histórico é um grande desafio”, afirma Luci Azevedo.
Ao atravessar essa região, do outro lado da avenida Portugal, a Belém mais turística se impõe aos olhos do visitante. Uma caminhada a partir da praça do Relógio – cenário de um dos primeiros discos da extinta Banda Calyso – leva à praça Frei Caetano Brandão, popularmente conhecida como “largo da Sé”.
Nas imediações, a dica é visitar a Catedral Metropolitana, de 1748, com obras do pintor Domenico de Angelis, o órgão Cavaillé-Coll, considerado o maior da América Latina, e 28 candelabros em bronze; a igreja barroca de Santo Alexandre (1719), construída por mão de obra indígena e antiga sede da Companhia de Jesus, dos jesuítas, na época do Brasil Colônia, com seis púlpitos, altar-mor e retábulos em madeira; e o Museu de Arte Sacra, com acervo de imagens sacras dos séculos XVIII a XX.
Boa parte dos turistas se concentra nessa área abraçada pelo projeto Feliz Lusitânia, que toma emprestado o nome dado pelos portugueses ao núcleo inicial da capital paraense. Além da praça Frei Caetano Brandão e das duas igrejas, o interesse aqui recai sobre o Forte do Presépio e a Casa das Onze Janelas. O forte foi construído pelo capitão-mor Castelo Branco em 1616 para proteger a Amazônia dos invasores. Os canhões estão lá ainda como testemunha da história. É também o melhor mirante para a cidade de Belém, com o Mercado Ver-o-Peso e os edifícios modernos ao fundo, a panorâmica perfeita da baía do Guajará. No forte, um museu traz acervo de cerâmica marajoara. Deixe a visita para o final da tarde, mas lembre-se de que o local fecha rigorosamente às 17h.
Dali, siga para a Casa das Onze Janelas, o curioso prédio que já foi residência de senhor de engenho, hospital e hoje abriga um centro cultural. Principal museu da cidade, a Casa das Onze Janelas tem exposições de arte contemporânea, com obras de 1950 a 1990, além de Tarsila do Amaral, Lasar Segal, Clovia Graciano, Cícero Dias e Alfredo Volpi. Integrado ao espaço está o restaurante do chef mais famoso do Pará, Saulo Jennings. Quem não tem “bala no bolso”, pode experimentar a versão pocket da Casa Saulo em um quiosque em frente ao centro cultural, a preços quase convidativos: tacacá (R$ 19,90), maniçoba e vatapá (R$ 24,90). É também considerado o melhor local para contemplar o pôr do sol na cidade, o que explica a grande concentração de turistas no final do dia.
Dos prédios históricos de Belém, recomenda-se ainda uma visita guiada ao Theatro da Paz, o belíssimo prédio neoclássico na praça da República, com arquitetura inspirada em um casas de óperas mais famosas do mundo, a Scala, de Milão. Todo construído com o dinheiro do áureo Ciclo da Borracha, em 1878, tem lustres de cristal Baccarat e bronze, piso em mosaico de pedras, bustos de José de Alencar e Gonçalves Dias em mármore de carrara, afrescos nas paredes e teto representando as artes gregas, espelhos sem distorção de imagem, obras de arte, gradis e outros elementos decorativos revestidos com folhas de ouro.
Os elementos amazônicos podem ser encontrados em toda a arquitetura – pedras do piso foram coladas com o grude de um peixe amazônico, a gurijuba; mosaicos levam desenhos de sapos muiraquitãs e castanhas em ouriço (castanhas-do-pará); se observado de baixo para cima, o lustre lembra a Vitória-Régia, planta aquática da região. Com quatro andares, o teatro passou por três grandes reformas, em 1889, 1905, 2002 e 2019. Em 2021, um desenho no piso do teatro, uma suástica invertida, causou polêmica na web: o símbolo budista que representa paz não tem nenhuma relação com o nazismo, porque o teatro foi erguido antes do nascimento de Hitler. O ponto alto da visita é a sala de espetáculos, não os camarotes – 900 cadeiras em estilo da época, de madeira e palhinha; balaustrada toda em ferro inglês folheado a ouro; o “paraíso” (quarto andar) destinado às pessoas escravizadas; pinturas do teto de Domenico de Angelis reverenciam deuses como Apolo, Diana e Afrodite.
Uma curiosidade: abaixo do piso da sala de espetáculos tem um fosso com uma piscina. Antes, a piscina era para prevenção em caso de incêndio, já que os espaços do teatro são 80% amadeirados e com iluminação a gás, e hoje tem grande importância na acústica do espaço, servindo como refletora de som – o Theatro da Paz é considerado uma das casas de ópera com a melhor acústica da América Latina. Entre os grandes artistas que se apresentaram no teatro estão Carlos Gomes, com sua famosa ópera “O Guarani”, e a russa Ana Pavlova, uma das maiores bailarinas da história. A visita termina no salão e na sacada, com uma vista para a praça da República. Segunda maior metrópole da Amazônia, com 1,303 milhão de habitantes, Belém já teve ares europeus. Seu principal teatro completou 146 anos em 2024 como um espaço que encanta os sentidos, palco de muitas histórias e trajetórias.
Uma dica para quem visita a cidade é agendar um espetáculo na casa: no dia 2 de outubro, a cantora Carol Ferreira paraense apresenta o show “Encantos do Círio”, em que canta sua relação com a manifestação religiosa e retrata a energia que toma conta da capital paraense na época da festividade. Essa é uma homenagem do Círio em ritmo de carimbó, a dança local. “Tenho certeza de que este será o maior Círio de todos os tempos”, afirma a cantora em entrevista ao portal G1. No clipe que acabou de lançar, a artista faz um passeio pelos pontos turísticos da cidade, retomando o percurso da procissão do Círio – Catedral Metropolitana, praça do Relógio, Ver-o-Peso, praça da República, Theatro da Paz e a basílica.
Serviço:
Casa das Onze Janelas: rua Siqueira Mendes, Cidade Velha. Funciona terça a quinta, de 9h às 14h, e sábado e domingo, de 9h às 17h. R$ 3 (meia-entrada). Acesse o site Museus do Pará.
Catedral Metropolitana: praça Dom Frei Caetano Brandão, Cidade Velha. Visitação de segunda a sexta, das 8h às 12h e das 12h às 14h, e sábado, das 8h àa 12h e de 16h às 18h.
Forte do Presépio: praça Dom Frei Caetano Brandão, s/nº, Cidade Velha. Funciona de terça a quinta, de 9h às 14h, e sábado e domingo, de 9h às 17h. Acesse o site Museus do Pará.
Museu de Arte Sacra e igreja de Alexandre: praça Frei Brandão, s/nº, Cidade Velha. Funciona de terça a quinta, de 9h às 14h, e sábado e domingo, de 9h às 17h. Ingressos a R$ 4. Entrada grátis o primeiro do domingo do mês e às terças-feiras. Acesse o site Museus do Pará.
Theatro da Paz: praça da República. As visitas acontecem de uma em uma hora de terça a sexta-feira, das 9h às 12h e das 14h às 17h. Aos sábados e domingos, as visitas acontecem às 9h, 10h, 11 e 12h. O valor do ingresso é R$ 6. Às quartas-feiras, a visitação é gratuita.