O Bloco do Zé Pereira começa a partir desta quarta-feira (5/2) os tradicionais desfiles de pré-Carnaval pelas ruas de Piranga, na Zona da Mata mineira. Com o sugestivo nome de “Folia que Conta História”, a festa inclui o cortejo de blocos, a presença de bonecos gigantes, o tradicional boi correndo atrás da criançada, muitas fantasias e músicas contagiantes. Neste ano, o pré-Carnaval acontece todas as quartas, quintas e sexta-feiras de fevereiro, a partir das 21h, até o dia 28, início oficial da folia.
Com essa programação, Piranga se torna o esquenta perfeito para uma das maiores e mais tradicionais festas da região. No dia 28 de fevereiro, último dia de desfile, acontece a morte do Zé Pereira. É encomendado então o seu velório, que sai em cortejo pelas ruas da cidade até chegar à ponte sobre o rio Piranga, quando uma réplica do boneco é colocada em uma caixa de madeira e atirada ao rio, ao som de marcha fúnebre tocada pela banda de música Orquestra 2. O Zé Pereira é uma tradição tão forte em Piranga que ele se divide em três bairros, cada um com identidade própria e prestando homenagem a personalidades que ajudaram a agremiação ao longo dos anos.
Mais antigo que as vizinhas Mariana (1696) e Ouro Preto (1711), o município de Piranga (1695) vem resgatando suas tradições e histórias nos últimos anos. Prova disso é o recente ingresso da cidade no seleto grupo de municípios que compõem a Associação das Cidades Históricas de Minas Gerais (ACHMG), entidade que congrega três cidades Patrimônios Culturais da Humanidade (Ouro Preto, Diamantina e o Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas) e mais de 60% de todo o patrimônio histórico no país.
A tradição do Zé Pereira surgiu em Portugal no século XIX, chegou ao Brasil ainda no mesmo período, marcando presença no Rio de Janeiro, Ouro Preto e em outras cidades mineiras, como Rio Novo, Itabirito, Rodeiro e Mar de Espanha. Em Piranga, a celebração é uma marca registrada desde 1918 e se confunde com a identidade do município, com o desfile do Zé Pereira Vila do Carmo se fundindo com o Zé Pereira do Quebra e, juntos, com seus bonecos e fanfarrões fantasiados, arrastando multidão pelas ruas da cidade.
Preservação da tradição
Para aperfeiçoar o Carnaval deste ano, a Prefeitura de Piranga, por meio das secretarias de Cultura e Turismo e de Assistência Social, promoveu oficinas de confecção de bonecos (foto acima, os bonecos confeccionados nas oficinas reunidos na praça Coronel Amantino Maciel, crédito: Prefeitura de Piranga), utilizando a técnica e papietagem. A iniciativa contou com o reaproveitamento de papéis de ofícios descartados pelos órgãos municipais, permitindo capacitar os mantenedores da tradição e permitindo que a comunidade aprendesse e dominasse a arte de confeccionar os tradicionais bonecos de cabeça, parte importante do desfile.
No ano passado, o município também deu um passo importante para garantir a preservação dessa manifestação cultural. Foi realizado o inventário do Zé Pereira, um processo que reconhece e documenta a tradição. Ele representa mais do que um simples levantamento, mas o compromisso de Piranga de preservar e valorizar a festa, que é patrimônio imaterial do município. Muito além de uma mera festa carnavalesca, o Zé Pereira é uma celebração da identidade e das raízes da cidade.
O presidente do Zé Pereira da Vila do Carmo, Dione Thomás, destaca que “o Zé Pereira sempre teve seu engajamento social e cultural na cidade, abordando em seus desfiles também a temática política. Isso foi fundamental para a criação dessa identidade, dessa representatividade que o bloco leva para a ruas de Piranga”.
Bacalhau
Os casarões, igrejas e capelas centenárias, como nas pedras garimpadas na bateia do tempo, são um testemunho de que Piranga atravessou os séculos de história. No ano passado, após reformas, o Cine Teatro Municipal Vereadora Geralda Lana Milagres, de 1940, uma época de ouro para o município, reabriu as portas, após a recuperação da pintura, a renovação do telhado e a implementação de nova instalação elétrica.
Para os apreciadores de roteiros religiosos, o distrito de Santo Antônio do Pirapetinga, mais conhecido como Bacalhau, é parada obrigatória. É lá que se encontra uma joia arquitetônica mineira que resiste ao tempo e às intemperes da modernidade: o Santuário do Bom Jesus do Bacalhau. A 12 km do centro de Piranga, a igreja está localizada em uma colina, a parte mais alta do distrito, revelando-se um dos mais belos e cinematográficos conjuntos arquitetônicos de Minas.
Tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 1996 e completamente preservado, o santuário é composto pela igreja do Bom Jesus do Bacalhau ao centro, rodeada por um conjunto de 68 casas baixas destinadas a abrigar romeiros em épocas de festas, numa disposição que segue a tradição arquitetônica das capelas portuguesas de peregrinação devotadas ao Senhor Bom Jesus de Matosinhos. Elas são ocupadas apenas uma vez por ano, durante o Jubileu do Bom Jesus, na primeira quinzena de agosto.
A lenda
Construída no estilo colonial luso-brasileira, não há uma data precisa quanto à conclusão da igreja. Historiadores relatam que os jubileus tiveram início no século XVIII, antes de sua construção. Foram os romeiros que ergueram as primeiras casas, onde passavam a noite depois de longa viagem. Reza a lenda que tudo começou quando encontraram uma imagem de Bom Jesus de Matosinhos em tamanho quase natural, no alto de uma colina. A imagem foi levada para uma capela, mas misteriosamente voltava para o alto da colina, fato que se repetiu inúmeras vezes.
Então resolveram construir na colina uma capela consagrada a Bom Jesus. Hoje, a imagem se encontra exposta em uma capela atrás do altar, podendo o devoto passar à sua frente e pedir bênçãos, ritual que acontece com longa fila durante os dias do jubileu. Toda a obra do santuário foi executada por Francisco Xavier Carneiro, um dos expoentes o Ciclo Rococó da pintura mineira. Em seu acervo, destacam-se as imagens de São Pedro e São Paulo e de Nossa Senhora das Dores, localizadas no altar-mor de 1804.
O distrito recebeu o nome de Santo Antônio de Pirapetinga. Bacalhau se originou do português pioneiro José Gonçalves Bacalhau, que emprestou seu sobrenome para o ribeirão que circunda o distrito. Além do santuário, há outras igrejas datadas dos séculos XVII e XVIII, como a capela de Santo Antônio, a capela de Nossa Senhora do Rosário, a igreja de Nossa Senhora da Conceição e a capela de Nossa Senhora da Boa Morte, essa última tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha-MG) em 1989.
O único evento cultural realizado no distrito é o Festival Gastronômico Sabores em Bacalhau, em junho, apresentando a tradicional culinária local, como o arroz de costelinha desfiada, os pastéis de angu recheados com umbigo de bananeira e pernil suíno desfiado e os bolinhos de bacalhau com massa de batata. Atualmente, a prefeitura estuda a criação de um festival de cinema no distr
Natureza e alambiques
Cercada por densa Mata Atlântica, Piranga tem na cachoeira Zé de Arminda, a 15 km do centro, um dos seus atrativos naturais mais conhecidos. De fácil acesso, a curta trilha de 200 metros é marcada pela travessia do rio Piranga, feita em uma ponte pênsil de 70 metros de extensão. Ao final da ponte, depara-se com o encontro dos rios Sete Cachoeira e Piranga. Poucos metros acima, a bela cachoeira Zé de Arminda garante um grande poço para banho. A cachoeira conta com estacionamento e o Bar do Tarcizo, onde pode-se degustar uma porção de peixe a R$ 50 para três pessoas.
A fabricação de cachaça de alambique é tradição em todo o Vale do Piranga, sendo hoje a região com a maior densidade cachaceira no Brasil, como atesta o Anuário da Cachaça de 2023. Na cachaçaria Vale do Piranga, que fica localizada em uma fazenda a 1 km do centro, é possível o turista conhecer todo o processo de fabricação da cachaça produzida há 50 anos, além de fazer degustação de mais de 20 rótulos. A visita é gratuita e pode ser agendada pelo instagram @cachacariavaledopiranga. Os preços das cachaças variam de R$ 50 a R$ 200 a garrafa.
O produtor da premiada cachaça Vale do Piranga é Sérgio Maciel, presidente da Associação Nacional de Produtores de Cachaça de Qualidade (ANPAQ). Ele está criando, ao lado de inúmeros produtores da região, o registro dos modos de fazer a cachaça de alambique do Vale do Piranga, dando status e visibilidade às características específicas da cachaça produzida na região.
Outra cachaça tradicional de Piranga é a Risadinha, produzida em uma fazenda secular desde 1948. Situada a 6 km do centro, a cachaçaria também recebe turistas e faz, além da degustação, visita guiada mostrando todo o processo da produção artesanal. São quatro os tipos da cachaça Risadinha, sendo a garrafa vendida entre R$ 25 e R$ 60. No salão de degustação, é possível ver o rótulo e a receita originais da cachaça. Ela fica exposta em um quadro, datado de 13 de março de 1948. Suspenso no meio da sala está um enorme parol, espécie de tonel primitivo feito apenas em madeira. A visita gratuita pode ser agendada pelo instagram @alambiquerisadinha.
Cesário Alvim
A 18 km de Piranga está o distrito de de Pinheiros Altos, terra natal do primeiro governador do período republicano, Cesário Alvim. Um museu montado na casa em que nasceu o político, além de contar um pouco da história do município e de Minas, exibe relíquias de época, como a carta escrita por Cesário em 1919 pedindo apoio à candidatura do político mineiro da cidade vizinha de Viçosa, Arthur Bernardes, à presidência da República. O distrito conta ainda com duas igrejas centenárias, de Nossa Senhora do Rosário e de Nossa Senhora do Carmo.
No ano passado, o grupo Avante Comunicação lançou documentário “Cesário Alvim: Eco de um Legado Mineiro”, que resgata sua história, suas origens e o impacto duradouro de suas ações na cultura mineira e nacional. Além da atuação política, Alvim destacou-se pelo seu empenho na abolição da escravidão.
Serviço:
Como chegar: saindo de Belo Horizonte, pega-se a BR-040, sentido Rio de Janeiro, até chegar em Conselheiro Lafaiete, a 90 km de distância. Em Conselheiro Lafaiete, passa-se pela área central da cidade até chegar a MG-482. São mais 60 km, em média, até Piranga, ou uma hora de viagem.
Onde se hospedar: a confortável Pousada Solar do Rosário, na rua Santa Efigênia, 140. pousadasolardorosario.com.br, com a diária a partir de R$ 175 (casal). Informações (31) 3746-1520.
Onde comer: Bar do Ruinha: rua Honório Garcez, 243. Tradicional na cidade, o bar trabalha com variadas porções de boteco, ao preço médio de R$ 40. A cerveja gelada sai a R$ 12. Instagram @barerestauranteruinha
Para saber mais sobre Piranga, acesse o site Prefeitura de Piranga.