A conversa começou da maneira mais improvável. A pipoca intrusa estourando dentro do microondas fez uma viagem até o prédio 13 da PUC, que fez chegar ao meu vestido de formatura, que fez lembrar a crise da Mendes Júnior pelo meio dos anos 90, que fez falar sobre as torres de transmissão da avenida Babita Camargos, que fez brotar a pergunta “onde seu pai trabalhou?”, que fez nascer o espanto: “o meu também”.
Neste momento, um quentinho que só se encontra no afeto preencheu cada buraco que surgiu em todas as manhãs deste 2014 sem a presença dele. Ganhei a chance de ver meu pai se materializar a partir das lembranças de quem esteve por perto sem que eu pudesse adivinhar as pontes que nos colocavam em um mesmo lugar. A atualização do passado que retornou sob a forma de encontro de memórias, o mais delicado presente deste fim de ano.
A fotógrafa feita de talento e doçura foi buscar no pai algo que pudesse me dar. Como generosidade é herança, o homem com o nome que me soou tão familiar voltou ao prédio da avenida Amazonas e não só trouxe impressões e reminiscências, mas me fez experimentar mais uma vez a felicidade de ter partilhado um amor incrível e de o ter merecido.
João se lembra de um projetista inteligente e inspirador falando dos trabalhos escolares cheios de capricho da filha mais velha, das relações de amizade que ele carregou até que a morte os separou, do entusiasmo com o primeiro Rock’n’Rio que o fez levar a própria cria ao festival no ano seguinte... E tudo dito me fez transbordar por horas, para agora, enquanto escrevo este texto, acontecer de novo. Voltei a ficar menina e pequena, como acho que ficamos todos para as coisas mais tristes.
Descobri este ano que é isso que a saudade faz, constrói uma memória que sentimos orgulho de guardar, como se fosse um troféu de vida.
Na coluna do dia 10 de janeiro, já ciente do inevitável (sem, no entanto saber que o inevitável nos visitaria naquela mesma manhã), escrevi que quando 2014 morresse, um pedaço de mim teria morrido também. Enquanto arrastava um coração que ainda não havia descoberto como se salvar de sofrer, não sabia que o verso de Manoel de Barros faria tanto sentido quase um ano depois. “Tem mais presença em mim o que me falta”.
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