O MAIOR DANO AMBIENTAL
DA HISTÓRIA

João Renato Faria

O rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, na região Central de Minas, é classificado como o pior desastre ambiental da história do planeta considerando o volume de rejeitos de mineração lançado na natureza

Tudo é superlativo na tragédia provocada pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, na região Central de Minas. Os títulos, porém, não são motivo de orgulho. O desastre ambiental é o pior da história do Brasil, superando com folga casos como o césio-137, em 1987, em Goiânia, e o vazamento de rejeitos químicos da Indústria Cataguases de Papel e Celulose Ltda, em 2003, na região da Zona da Mata mineira. Ele também é o maior do mundo em volume envolvendo outras barragens de mineração.

Os cerca de 55 milhões de metros cúbicos de lama e rejeitos despejados com a ruptura de Fundão são duas vezes e meia o volume da barragem da mina de Mount Polley, no Canadá, em 2014, que alcançou o lago Quesnel. No que ficou caracterizado como o segundo pior desastre do gênero, foram 24,4 milhões de metros cúbicos de rejeitos na natureza. E mesmo comparando com outras tragédias ambientais, Mariana está nesse “pódio” ao lado do derramamento de petróleo do navio Exxon Valdez, no Alasca, em 1989, e da explosão da plataforma Deepwater Horizon, da British Petroleum, que despejou 780 mil metros cúbicos de petróleo no Golfo do México, em 2010.

“É um desastre impressionante em todos os aspectos (o de Mariana). Com certeza está entre as dez piores tragédias ambientais da história”, diz o coordenador do projeto Manuelzão, Marcus Vinícius Polignano. Para ele, o cenário que foi visto após a passagem da onda de lama e rejeitos é comparável ao de grandes conflitos. “É como se fosse a devastação de uma guerra. O dano é extenso e deverá ficar como uma cicatriz marrom, que marcará Minas Gerais para sempre a partir de agora”.

Mesmo maltratado já há muito tempo, o rio Doce era considerado de alta resiliência. Mas dessa vez, a sua resistência não foi suficiente para salvá-lo. “Em alguns pontos, ele sempre foi turvo, já apresentava odores, características de contaminação, mas conseguia se manter. Só que ele não tem condições de lidar com um volume desses”, avalia o professor Ricardo Mota Coelho, coordenador do Laboratório de Gestão Ambiental de Reservatórios da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “A quantidade de rejeitos equivale a nove lagoas da Pampulha”, compara.

Para a coordenadora da Fundação SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro, o rompimento decretou a falência do rio, que já vinha agonizando em toda sua extensão. “O desmatamento e a poluição já estavam cobrando seu preço para o meio ambiente do rio Doce. Mas, agora, com essa tragédia, ele morreu de vez”, afirma.

680
quilômetros
é a distância percorrida pela lama na calha do rio Doce, segundo o Ibama

1.600
hectares
de área ribeirinha foram afetadas pelos rejeitos da mineradora

Ecossistema está fragilizado e tem perdas que podem ser irreversíveis

João Renato Faria

A passagem da onda de rejeitos da barragem de Fundão foi um golpe duríssimo no bioma do rio Doce. Para especialistas, o desafio agora é entender o que mudou e quais danos serão irreversíveis.

“O curso do rio foi alterado, a calha dele está completamente assoreada, o traçado da margem mudou. Todos os processos ecológicos, a cadeia alimentar, tudo isso será alterado e temos que compreender como todas essas mudanças afetam o meio ambiente”, diz o professor Ricardo Mota Coelho, coordenador do Laboratório de Gestão Ambiental de Reservatórios da UFMG. Ele ainda ressalta nesse rastro de perdas o risco de extinção de espécies de peixes endêmicas do rio Doce.

Para o coordenador do projeto Manuelzão, o professor Marcus Vinícius Polignano, a hora é de fazer um levantamento do que sobrou em meio à destruição. “É igual ao rescaldo de um incêndio. É só depois que ele passa que você vai ver o que conseguiu se salvar em meio à tragédia”, compara.

Já o ambientalista Apolo Heringer detalha o efeito do tsunami de lama: “Primeiro, ele sufocou os peixes. Agora, está soterrando os insetos, crustáceos e algas que são a base da cadeia alimentar. Sem ter o que comer, os peixes que resistiram morrerão de fome. E como a água não pode ser bebida por animais maiores, é a quebra total da cadeia alimentar”.

“Retiramos todos (peixes) que ainda estavam vivos para levar para outros lugares. Eles estavam morrendo porque a lama tirou o oxigênio da água. É uma tristeza.”

Reinaldo Gonçalves,
55, pescador

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Pescadores recolhem e enterram peixes mortos

Bárbara Ferreira

No distrito de Pedra Corrida, em Periquito, na região do Rio Doce, após a passagem da lama, pescadores, desolados com o cenário de destruição, se reuniram para enterrar os peixes mortos. “Na beira do rio é possível ver dezenas de peixes. Estão todos morrendo. Em apenas um dia, chegamos a retirar 500 kg de peixe de dentro do rio, levamos para um local afastado e enterramos. O cheiro era muito forte”, contou o presidente da colônia de pescadores, Rodolfo Zulske.

Durante os dez primeiros dias após o rompimento da barragem, essa foi uma cena comum para os ribeirinhos. Outros, em vez de sepultar os peixes, tentaram resgatar os sobreviventes.

“Retiramos todos que ainda estavam vivos para levar para outros lugares. Eles estavam morrendo porque a lama tirou o oxigênio da água. É uma tristeza”, afirmou o pescador Reinaldo Gonçalves, 55.