Em pleno final de semana (19/10), é provável que você prefira não pensar em infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), e, sim, em diversão. Mas o terceiro sábado de outubro é a data escolhida no Brasil para ser o Dia Nacional de Combate à Sífilis como uma estratégia de conscientização sobre a doença, cujos diagnósticos chegam a pelo menos dois por hora em Minas Gerais.
Só até setembro, foram 16.235 casos confirmados em 2024, segundo a Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG). É uma queda de 16,8% em comparação aos 18.960 diagnósticos de 2023, porém uma alta de 42,3% em relação a 2019, antes da pandemia de Covid-19. São números que assustam o infectologista e professor da Faculdade de Saúde Santa Casa BH Alexandre Moura.
“É uma doença altamente transmissível e está entre nós há séculos. É um dos maiores exemplos de sucesso de um microorganismo e da falha do ser humano em realizar o controle”, diz. A sífilis é descrita pela ciência pelo menos desde o século 16. Os tratamentos evoluíram e evitam, na maioria dos casos, que ela seja fatal, como já foi por muito tempo, mas ainda assim ela jamais foi erradicada e não há horizonte de que será em breve.
A doença evolui em estágios e é transmissível até nos quadros mais leves. O primeiro sinal surge, normalmente, como uma ferida indolor na parte do corpo que foi porta de entrada para a bactéria Treponema pallidum — geralmente, ânus, boca ou genitais. “É uma ferida pequena que cicatriza espontaneamente. A pessoa muitas vezes pensa se vai ou não ao médico, passa uma pomada, a ferida melhora, ela acha que se curou e fica tranquila”, descreve o médico Alexandre Moura.
Semanas ou até meses depois, a doença pode evoluir para sua fase secundária, quando surgem manchas vermelhas pelo corpo. “Ela pode ser confundida com uma alergia, ter certa resolução, e a pessoa fica anos com a doença. Depois de algum tempo, pode ter comprometimento neurológico, com perda da audição ou da visão”, esclarece o infectologista. Sem tratamento, a sífilis pode matar.
Não usa camisinha no sexo? Proteja-se mesmo assim
Sexo anal, vaginal, oral e até a masturbação em outra pessoa podem transmitir a sífilis. O uso de preservativo é a forma ideal de se proteger em todas essas práticas. No dia a dia, porém, os médicos reconhecem que grande parte das pessoas não utiliza camisinha em todas as relações, especialmente na oral, por isso é importante que se testem regularmente.
“Temos que trabalhar com a realidade, não adianta trabalhar com o mundo ideal. Então, é importante fazer a testagem. Expôs-se periodicamente, iniciará um novo relacionamento? É bom fazer um teste a cada três, seis meses”, recomenda o infectologista Alexandre Moura. Em Belo Horizonte, testes rápidos de sífilis estão disponíveis nos postos de saúde e nos Centros de Testagem e Aconselhamento (CTAs).
Essa perspectiva é reforçada pelo infectologista Guilherme Varino. “Muitos pessoas mencionam desconforto, como a sensação de que o preservativo 'aperta' o pênis ou que interfere no prazer sexual, dificultando a ereção ou o orgasmo. Outras citam relação de confiança na parceria sexual como justificativa para não usarem preservativo nas relações estáveis. Ambas as situações podem ser contornadas, e o preservativo ainda é importante. Em caso de não usá-lo, é necessário um acompanhamento médico mais de perto, com testagem regulares e revisão de imunizações de doenças relacionadas ao sexo”.
Ele também destaca a importância do uso de lubrificante na penetração, pois o produto reduz o risco de rompimento do preservativo e oferece proteção contra microfissuras que podem ocorrer no sexo.
O médico Alexandre Moura explica que a honestidade entre os casais é mais um fator importante para barrar a sífilis. Em alguns casos, descreve, a pessoa descobre a doença e se trata escondida, sem revelar o diagnóstico ao parceiro por medo de levantar suspeitas sobre infidelidade, por exemplo. O problema é que é possível pegar sífilis novamente depois de curado e, se a pessoa já transmitiu para o parceiro, é provável que se infecte novamente nessa relação. “A pessoa fica nesse ping-pong. Nem sempre é fácil revelar o diagnóstico. Mas, se você não fizer isso, se infectará novamente, e seu parceiro pode ter um quadro grave”, alerta.
Grávidas são grupo ainda mais sensível para a sífilis
Fora os 16 mil diagnósticos de sífilis em Minas neste ano, outros 4.068 casos foram registrados em grávidas — diminuição de 33,3% em comparação aos 5.425 de 2023. A doença é um risco particular na gestação porque pode ser transmitida ao feto e levar o bebê a desenvolver comprometimento neurológico ou deficiências.
Por isso, a testagem durante a gestação é importante, reforça o médico Alexandre Moura. “A orientação é fazer o exame pelo menos no início do pré-natal e no final. São necessários de dois a três exames durante a gravidez”. Quando a doença é transmitida de mãe para filho, é chamada de sífilis congênita. Foram 1.460 casos registrados em Minas neste ano — em 2023, foram 1.765, 20,8% a mais.
Tratamento da sífilis é simples e gratuito
Fez o teste e está com sífilis? O tratamento habitual é uma injeção de Benzetacil, nome comercial da penicilina. A quantidade de doses varia de acordo com o resultado dos exames. Quem é alérgico à droga trata-se com antibióticos em comprimido.
Existe, ainda, um método preventivo para quem foi exposto a uma situação de risco diminuir o risco de infecção. É a DoxiPEP. Até 72 horas após a exposição, a pessoa pode, sob orientação de um médico, tomar dois comprimidos do antibiótico doxiciclina. Eles barram a infecção por sífilis, clamídia e, em menor escala, gonorreia.
O Sistema Único de Saúde (SUS) ainda não publicou um protocolo sobre o método. Nos EUA, o Centro de Controle de Doenças norte-americano (CDC) recomenda o tratamento para homens que fazem sexo com outros homens e mulheres trans que fazem sexo com homens e que tenham tido com pelo menos um episódio de IST bacteriana diagnosticada nos últimos 12 meses.