País líder em emissão de visto de turismo e negócios dos Estados Unidos em 2024 e em 2023, o Brasil teve neste ano a maior queda mundial em números absolutos na emissão desses documentos, sob o governo do presidente Donald Trump.
É o que mostra um levantamento feito pela reportagem com base nos dados disponibilizados pelo Departamento de Estado americano. Ao todo, os EUA emitiram 358 mil vistos para turismo e negócios a brasileiros nos primeiros cinco meses do governo do republicano. Foram 482 mil no mesmo período do ano passado.
Proporcionalmente, a diferença representa uma diminuição de 25,7%. Com esse recuo, o Brasil deixou de ocupar o primeiro lugar no ranking global de emissão desses vistos, posição que ocupou nos dois anos anteriores, ficando atrás de Índia e China neste ano. Em 2023, os EUA concederam 429 mil documentos do tipo a brasileiros no mesmo período analisado, de janeiro a maio.
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Não é possível afirmar se o resultado é consequência de uma queda da procura, que poderia ser interpretada como um potencial efeito da política anti-imigração de Trump, ou se houve um aumento de pedidos negados diante das regras mais rígidas de análise de candidatos que buscam aprovação para ingressar no país.
A advogada Ingrid Baracchini, especialista em imigração, afirma que as recentes mudanças implementadas por Trump no processo de obtenção de visto podem ter deixado muitos brasileiros "não seguros o suficiente" para solicitar o documento.
Casos que antes não solicitavam entrevista presencial - como vistos para menores de 14 anos e maiores de 79 anos, ou renovação até 48 meses depois do vencimento - passaram a exigi-la. Para além do aumento na burocracia, lembra Baracchini, "isso pode gerar desistência porque leva a um gasto maior do que o esperado".
O levantamento feito pela reportagem inclui apenas o número de documentos emitidos, já que as informações sobre pedidos rejeitados neste ano ainda não foram divulgados pelo Departamento de Estado. No ano passado, a taxa de recusa entre brasileiros foi de 15%. Em 2023, o índice ficou em 13%. Os dados mais recentes vão até maio deste ano.
A análise feita inclui vistos do tipo B1/B2 (turismo e negócios), ou apenas B1 ou B2, e leva em consideração a nacionalidade de cada pessoa. No ranking dos documentos emitidos até maio deste ano, o Brasil ficou atrás da China, a segunda colocada com 422 mil emissões, e da Índia, com 461 mil.
No cenário global, a emissão de vistos B1 e B2 a todas as nacionalidades se manteve praticamente estável no período analisado. De janeiro a maio deste ano, a queda foi de apenas 0,8% em relação ao mesmo período de 2024.
O que mudou foi a distribuição entre os países. China e Brasil, por exemplo, tiveram comportamentos opostos. Enquanto o país asiático registrou aumento de 144 mil vistos emitidos, o equivalente a um crescimento de 51,7% em relação a 2024, o Brasil teve 124 mil emissões a menos no período.
Baracchini atribui essas mudanças também aos cenários políticos que se alternaram. Segundo ela, a presença de figuras ideologicamente antagonistas no comando dos países - neste caso, Trump e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) - tende a atribular o processo nos consulados.
Nessa toada, as constantes travas anunciadas por Trump nos processos de visto - desde um potencial aumento na taxa de emissão ao pagamento de caução para sua obtenção - podem promover uma baixa na procura.
Trump aprovou, por exemplo, um plano para que seja cobrada de cidadãos que precisam de visto para entrar nos EUA, caso dos brasileiros, uma taxa adicional de US$ 250 (R$ 1.390).
Hoje, o documento custa US$ 185 (R$ 1.080), valor que será somado à nova taxa nos casos em que a permissão para viajar for aprovada.
Embora tenha registrado a maior queda em números absolutos na emissão de vistos americanos neste ano, o Brasil não aparece entre os países com as maiores perdas percentuais. Considerando todos os países, ocupa apenas a 63ª posição, com -25,7%.
Essa diferença se explica porque, em diversos casos, variações percentuais muito altas correspondem a valores absolutos bastante pequenos. Um exemplo é Nauru, país insular da Oceania, que caiu de 52 vistos emitidos em 2024 para apenas 2 em 2025 - uma redução de 96,2%.
A variação do Brasil, por outro lado, ainda é maior do que a de outros países da região, caso de Argentina (-7,9%), Venezuela (-8,9%) e México (-11,9%). Ao considerar apenas os países que tiveram ao menos mil vistos emitidos em 2025, o Brasil passa a figurar na 26ª posição entre as maiores quedas percentuais.
Baracchini, que atende pessoas em busca de visto ou cidadania há mais de dez anos, diz ser provável que a tendência de queda ainda permaneça devido à "instabilidade em relação à entrevista, à renovação" e ao processo no geral.