ESPAÇOS DE FÉ

Cerca de 1.843 locais de culto foram afetados pelas enchentes no Rio Grande do Sul, aponta Fiocruz

Para especialista, espaços religiosos são fundamentais para a população e a destruição de igrejas e terreiros podem dificultar ainda mais uma retomada à “normalidade”

Por Rodrigo Oliveira
Publicado em 24 de maio de 2024 | 10:32
 
 
 

Igrejas evangélicas e católicas, centros espíritas, terreiros de umbandas. Quando falamos em religiosidade, também pensamos nos espaços físicos onde acontecem esse exercício de fé e de conexão com a espiritualidade. Além de residências, escolas e órgãos públicos, relatório divulgado pela Fiocruz revelou que 1.843 locais de culto foram afetados pelas enchentes do rio Guaíba, no Rio Grande do Sul, perturbando significativamente as atividades comunitárias. 

Para Nina Rosas, professora do Departamento de Sociologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a perda desses locais pode dificultar ainda mais o processo de reconstrução dessas comunidades. “A espiritualidade até pode ser pensada como algo imaterial, mas uma igreja, centro espírita ou terreiro são lugares que materializam essas crenças. Ou seja, são neles que as pessoas realizam suas festividades, batismo, guardam suas imagens. A religião ajuda a organizar a existência de muitas pessoas e, quando elas perdem esses espaços, também há perda de parte da identidade”, afirma. 

Além de ritos religiosos, esses locais também guardam a história e a cultura de um povo. “Um bom exemplo disso são as religiões de matriz africana, que usam esses lugares como espaços de resistência de uma comunidade negra e que guardam elementos da história de um povo e de suas habilidades”, diz. 

Outras vezes, esses locais vão além da sua função espiritual e, em momentos de catástrofe, quem depende desses espaços se torna ainda mais vulnerável. “Precisamos pensar que muitos desses locais também funcionavam como rede de apoio antes da catástrofe - principalmente para as pessoas mais necessitadas. Quando uma igreja ou terreiro é afetado por uma catástrofe, essas pessoas não perdem apenas um espaço religioso, mas também um lugar onde se buscava alimentos, apoio emocional e outros tipos de ajuda”, explica. 

Justamente por isso, ela aponta que, neste momento, “o mais correto é focar em ações que atendam as necessidades consideradas mais urgentes, como moradia, proteção às crianças, itens básicos de higiene e alimentação”. Mas, futuramente, ela considera essencial que o poder público pense na recuperação desses espaços que foram destruídos pelas chuvas. 

“Mesmo que esses espaços físicos não possam ser retomados como eram antes da tragédia, é recomendável que haja um processo de recuperação das memórias perdidas nos desastres. Esses locais guardavam o patrimônio cultural, bens simbólicos, produções de pessoas da comunidade que já faleceram. É um resgate da cultura e isso é fundamental para a existência humana”, diz. 

Ela acredita, inclusive, que os próprios atores dessas comunidades religiosas possam desempenhar um papel importante neste processo. “Dentro da cultura brasileira, a religião é um aspecto fundamental da nossa identidade. Por ser uma expressão tão legítima, as lideranças religiosas têm um papel crucial junto ao poder público para promover essa reconstrução”, aponta.

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