Quem trabalha com crochê sabe que não adianta ter pressa. É preciso ter calma para que todos aqueles pontos se transformem, pacientemente, em uma peça de roupa ou amigurumi - como são conhecidos popularmente os bichinhos de crochê. Essa mesma paciência também é “exigida” da população do Rio Grande do Sul. Após as chuvas que alagaram diversas cidades e ceifaram ao menos 180 vidas, é preciso calma para reconstruir um pouquinho a cada dia e tentar voltar a uma normalidade dentro da medida do possível. 

A artesã e crocheteira gaúcha Sara Steyer, que tem mais de 90 mil seguidores no Instagram e quase 44 mil inscritos no YouTube, decidiu usar a sua influência para mobilizar uma verdadeira corrente do bem. Natural de Canoas, no Rio Grande do Sul, ela se viu obrigada a deixar o próprio apartamento quando o condomínio ficou alagado após as fortes chuvas. Ela, o marido e os dois filhos foram morar então com os pais de Sara em Passos de Torres, cidade litorânea localizada na divisa com Santa Catarina. 

“Eu mostrava a destruição causada pelas enchentes e meus seguidores ficavam muito comovidos, pois já conheciam aqueles locais por meio das minhas redes. Foi então que comecei a pensar em como poderia ajudar e decidi fazer algumas rifas sorteando algumas peças produzidas por mim. Foi aí que começou uma verdadeira corrente solidária”, conta. 

Inspiradas pela “influencer do crochê”, diversas seguidoras não apenas colaboravam financeiramente com o projeto de Sara, como também passaram a organizar suas próprias rifas para ajudar a aumentar o volume de arrecadações. De acordo com a influenciadora, já foram reunidos mais de R$ 41 mil - somando as rifas e as doações diretas via Pix. 

“O dinheiro foi convertido em materiais de limpeza e higiene pessoal, colchões, água, cestas básicas, cobertores, material escolar e jogos pedagógicos. Quando eu ainda estava na casa dos meus pais, eu percorria 190 km até Canoas para levar as doações e voltava no mesmo dia”, diz. 

Rifas organizadas por Sara e suas seguidoras renderam mais de R$ 41 mil em doações. Foto: Arquivo Pessoal

No início de junho ela conseguiu voltar para casa, mas percebeu que sua missão estava longe de terminar. As chuvas haviam cessado, mas os rastros de destruição e as perdas provocadas continuavam bem presentes em residências e bens públicos. Foi quando Sara decidiu reunir forças para ajudar a Escola Municipal de Ensino Fundamental Assis Brasil, localizada próximo ao seu condomínio, no bairro Mato Grande. O espaço ficou completamente destruído pela enchente. 

“Há uma diferença entre ver as notícias pela TV e morar em um local que foi tão afetado pelas chuvas. Eu ando nas ruas e vejo que o trabalho ainda não terminou, ainda há muito o que reconstruir e isso levará tempo. O pior é pensar que o desastre afetou ainda mais as pessoas que já eram vulneráveis socialmente. Por isso, é tão importante esse trabalho coletivo de reconstrução”, aponta. 

Mãos unidas contra o frio 

Como se não bastassem os efeitos devastadores das enchentes sobre as cidades, os gaúchos têm ainda outro fator que torna a rotina ainda mais hostil: o frio. O Rio Grande do Sul tem passado por um inverno rigoroso e que inclui geadas e temperaturas abaixo dos 0ºC. Em Canoas, de acordo com informações do site Tempo Agora, as temperaturas mínimas previstas estão na casa dos 4°C.

“Foi então que tive a ideia de mobilizar novamente minhas seguidoras para pedir doações de peças feitas por elas próprias. Tenho recebido caixas e mais caixas do Brasil inteiro com gorros de vários tamanhos, luvas, cachecóis e até mantinhas para bebês. A comunidade do crochê é muito unida e temos nos apoiado muito”, afirma. 

Além dos itens feitos pelas seguidoras, as caixas costumam chegar perfumadas e repletas de cartinhas calorosas com mensagens de apoio e conforto ao povo gaúcho. De acordo com Sara, a corrente do bem beneficia não só quem foi afetado pelas chuvas, mas também quem reserva parte do seu tempo para se dedicar ao próximo. 

"É com muito carinho e solidariedade que fiz esses trabalhos em crochê para os amigos do Rio Grande do Sul na esperança de levar um pouco de conforto e aconchego em meio a esse momento tão difícil. Que esses pequenos gestos possam trazer esperança e demonstrar que vocês não estão sozinhos. Junto com essas peças segue meu abraço e pensamentos positivos. Assinado: Cristina." Foto: Arquivo Pessoal 

“Tenho recebido relatos de inúmeras pessoas que ficaram menos ansiosas e mais felizes ao confeccionar os itens para doação. São pessoas que passam o dia acompanhando as notícias ruins e, agora, acharam um meio de ajudar, mesmo estando longe. Doar o seu tempo faz um bem enorme”, reflete. 

A influenciadora também reforça que o fato de já ter uma relação prévia com suas seguidoras e prestar contas de todo o trabalho realizado, por meio das suas redes, ajuda a criar um clima de confiança e engajar ainda mais os voluntários do crochê. “Eu mostro para onde vão as doações e as pessoas se sentem extremamente gratas por terem feito a diferença de alguma forma.”

Tradição familiar

Apaixonada por trabalhos artesanais, Sara conta que faz crochê desde a infância por influência da avó. Formada em educação física, e com passagens por escolas como professora, o crochê só virou profissão por influência da maternidade. Mãe de Davi, 10 anos, e Luan, 7 anos, ela decidiu investir no mundo digital após a chegada do caçula.

“Eu já vendia algumas peças e, quando estava grávida pela segunda vez, comecei a pesquisar algumas técnicas para confeccionar amigurumis para decorar o quartinho dele. Foi então que saí do trabalho de vez e passei a produzir tutoriais para produzir as peças e vender online. É o que chamamos de ‘receitas’ no mundo dos crochês”, explica. 

Luan e Davi, filhos de Sara, com as caixas de doações enviadas pelas "crocheteiras". Foto: Arquivo Pessoal 

Sara conta que os materiais são vendidos em formato de PDF ou vídeos em plataformas de cursos, mas o trabalho é dificultado pela pirataria na internet e pelo tempo exigido para a produção dos conteúdos. 

“Fazer um produto à mão e ainda ensinar o passo a passo é muito mais demorado do que passar uma tarde fazendo um vídeo divulgando um produto já pronto, que é o que a maioria das influenciadoras fazem. Mas, conto com o apoio de seguidores fiéis e algumas marcas que propõem parcerias. É um universo rico e com pessoas muito unidas”, garante.