Isadora*, de 61 anos, começou a beber quando tinha 16. O primeiro contato foi com a cerveja, entregue pela própria mãe, mas logo ela se viu atraída por algo mais forte: a cachaça. “Anos depois me casei com uma pessoa que tinha um bar. Eu trabalhava lá e, como a bebida estava de fácil acesso, só andava tonta. Já iniciava o dia de trabalho tomando três doses de cachaça. Repetia isso de três em três horas. Já precisei até ser carregada por cliente para chegar em casa”, conta.
O auge da dependência de Isadora aconteceu em 2012, quando sua mãe faleceu em decorrência de um câncer no fígado. “Durante a internação dela, eu levava cachaça para o hospital na garrafinha. Inicialmente, quando ela morreu, senti que estava livre para beber sem limites. Eu fiquei sozinha, sem ninguém para me cobrar, e o álcool foi meu único companheiro”, relembra
A mudança para a aposentada só aconteceu após a filha de 35 anos dar um ultimato a ela. Diante da situação da mãe, ela se afastou, e, então, Isadora aceitou ajuda. Ficou internada por quatro meses em uma clínica de reabilitação e passou a frequentar os Alcoólicos Anônimos (AA). “O álcool te destrói devagar. Para mim, a chave para a mudança foi esquecer o primeiro gole. Parar de falar que só bebia socialmente. Foi preciso aceitar o problema e buscar ajuda”, afirma.
Para Lívia Pires Guimarães, presidente da Junta de Serviços Gerais de AA do Brasil, o primeiro passo para que o indivíduo deixe a dependência alcoólica é reconhecer o problema, como fez Isadora, mas não há uma fórmula mágica para superar o alcoolismo.
Segundo a especialista, a partir daí será possível buscar, individualmente e com uma rede de apoio, o melhor tratamento: “Oferecemos um programa de recuperação, mas a verdadeira mudança vem quando a pessoa consegue, por si mesma, perceber que o álcool não tem mais espaço em sua vida. Nosso trabalho é ajudar a pessoa a amadurecer, a se aceitar e, assim, alcançar a sobriedade de maneira genuína”, explica.
No entanto, o caminho para a recuperação não é fácil. Edson Lago, psicólogo e sexólogo especializado em toxicomania e alcoolismo, afirma que muitos etilistas só buscam ajuda quando já atingiram o “fundo do poço”. “Dificilmente um alcoolista aceita o tratamento em busca do seu autodesenvolvimento. Isso geralmente acontece depois que eles perdem alguma coisa importante ou estão diante da morte. O objetivo terapêutico é mostrar para esse alcoolista que se libertar dessa dependência o trará mais benefícios ”, explica.
Cientista social da UniArnaldo BH, Luciano Gomes entende que, como pessoas com 55 anos ou menos tendem a viver realidades como a aposentadoria, a perda de pessoas queridas e, assim, a consequente redução da vida social, o ideal é que “ocupem a mente”.
“É preciso buscar atividades que revivam a interação social e ainda ocupem aquele espaço que antes era abraçado pela bebida ou até mesmo por outros vícios. É importante que o idoso sinta que não está tão sozinho quanto parece. Assim, ele tem uma motivação para tornar essa relação saudável e sem riscos à saúde”, sugere.
*Nome fictício
Terceira idade é um a cada três participantes do AA
A psicóloga Lívia Guimarães, presidente do Alcoólicos Anônimos (AA) do Brasil, afirma que, pelo fato de a bebida alcoólica ser socialmente aceita, a percepção de que seu consumo é um problema para a pessoa que tem dependência demora a acontecer. Com isso, ela estima que um a cada três participantes do grupo são pessoas da terceira idade. “Como o álcool é aceito, as complicações demoram mais a afetar as pessoas do que quando se utiliza o crack, por exemplo. Em cinco anos o álcool não destrói 100% como a droga faz”, afirma.
Mariana Thibes, coordenadora do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa), reforça que os danos à saúde por abuso no consumo de álcool durante a juventude costumam aparecer a partir dos 55 anos, com surgimento de doenças associadas. “É nessa idade que começam as mortes ligadas ao alcoolismo, doenças cardiovasculares e câncer”, ressalta.
Droga lícita e aceita
Luciano Gomes, cientista social, explica que o álcool acompanha a sociedade em todas as fases da história. A cultura leva ao uso festivo, com os rituais e as celebrações. O que muda é a produção excessiva do álcool atualmente e, ao mesmo tempo, de tão fácil acesso. “Se não colocarmos um limite, o álcool deixa de ser parte da cultura e vira um perigo social”, avalia.
Políticas públicas
A Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais oferece atendimentos relacionados ao uso abusivo de álcool. Dependentes podem procurar ajuda nos Centros de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas (Caps-AD) de cada cidade.