O dedão do pé do então motoentregador e universitário Bernardo Teodoro da Silva, de 24 anos, foi amputado após ele ter sido prensado por outra motocicleta, que o acertou em alta velocidade, em Belo Horizonte, em 2023. Ele ficou internado 22 dias. Devido ao susto e aconselhado por familiares, ele vendeu o veículo de duas rodas. Hoje só anda de automóvel. “Apesar das vantagens da moto, como economia e agilidade, não dá mais para usar, por segurança, pois é muito maluco no trânsito”, disse o hoje fisioterapeuta.

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O mês de janeiro costuma dar um alívio aos motoristas. Com as férias escolares, o trânsito caótico das grandes cidades melhora. Em Belo Horizonte, por exemplo, a estimativa da prefeitura é uma redução de 9% dos veículos em circulação. Mas, passado esse período, a rotina para se locomover não é nada boa.

A sensação de escalada de violência foi detectada até fora do Brasil. Pesquisa britânica, divulgada em setembro de 2024 pelo site Scrap Car Comparison , revela que o trânsito brasileiro é considerado o oitavo mais “assustador” para se dirigir entre 49 nações, com base em critérios que incluem o desrespeito às regras de circulação.

Um dos principais motivos da boa posição em um ranking tão ruim é a impunidade. É a avaliação do especialista Mauro Zilbovicius, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) e ex-diretor da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) de São Paulo.

Ele afirma que, embora o tráfego brasileiro tenha avançado em pontos como legislação, sinalização e fiscalização, os números de acidentes e mortes continuam altos. “As pessoas têm sensação de que a Justiça, de alguma maneira, não alcança o infrator. Além disso, há uma situação cultural: fora do veículo, o cidadão é pacato, respeita leis, mas, quando entra no carro, vira um monstro”, observa Zilbovicius.

Para ele, o cenário de pseudoencorajamento é semelhante ao ocorrido nas redes sociais: no automóvel e no perfil falso da internet, o motorista e o usuário virtual acreditam ter um escudo, que lhes permite pronunciar e cometer atrocidades.

Posição deveria ser até pior, diz especialista

A posição do Brasil no ranking internacional de trânsito deveria ser até pior, na análise de Alysson Coimbra, diretor científico da Associação Mineira de Medicina do Tráfego (Ammetra). Entre as razões, ele elenca sinalização de tráfego não universal, malha viária esburacada, risco de assalto em trajetos e alta impunidade, que ajuda a explicar o cometimento de infrações.

“É obrigação de quem vem dirigir aqui conhecer o país, mas a gente também pode tornar esse deslocamento menos assustador, inclusive com maior comprometimento com a segurança de trânsito. O que vemos, porém, é o contrário: recentemente, subimos de 20 para 40 pontos o limite para perder a CNH (Carteira Nacional de Habilitação), o que sinaliza um país conivente com infratores”, pontua.

Coimbra ainda lembra que o prazo para renovação do documento, que obrigava uma consulta médica a cada cinco anos, foi dobrado em 2021. Também houve precarização da saúde mental do motorista, resultando em violência. “Estamos entre os três países mais ansiosos e depressivos no pós-pandemia, com mais acessos de fúria, lesões corporais e mortes no trânsito”, diz. 

Ruim em BH

Para andar 10 km em BH, são gastos 22 min e 10 seg. O resultado põe a cidade em 8º lugar entre os piores tráfegos da América Latina, conforme estudo mais recente da TomTom, empresa de GPS. Em São Paulo, são 23 min, e no Rio, 18 min e 50 seg. A pior situação é de Lima (Peru): 28 min e 30 seg.

Metodologia da pesquisa

O estudo sobre os piores trânsitos foi feito pelo site inglês Scrap Car Comparison, com 2.000 motoristas de dez países, incluindo EUA, Alemanha, Nova Zelândia e África do Sul. Eles deram notas de 0 a 10 ao tráfego de 49 nações mais visitadas no mundo. Entre os critérios de avaliação, estavam qualidade da pista, respeito às regras e uso compartilhado da via entre veículos e animais.

Infografia/O TEMPO