O acidente com um balão de turismo em Praia Grande (SC) que resultou na morte de oito pessoas expôs a fragilidade de fiscalização sobre esse tipo de atividade no Brasil. Atualmente, segundo a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), não há nenhuma operação de balão certificada pelo órgão para atuar de forma comercial. Algumas empresas chegaram a fazer esse pedido à agência, mas não tiveram seus processos concluídos.

A realidade no país hoje é que empresas prestam serviços de balonismo profissional, mas se amparam em regulamentação mais branda, aplicada apenas a voos esportivos. Há previsão de punições nas esferas civil e criminal.

A Anac atua na regulamentação do balonismo de duas formas. No balonismo puramente desportivo, é preciso atender apenas ao que determina a chamada norma 103 do RBAC (Regulamento Brasileiro de Aviação Civil). O texto demanda cadastros do desportista e do balão por associação desportiva credenciada pela agência.

"A prática desportiva de balonismo, assim como de outros esportes radicais, é considerada de alto risco por sua natureza e características, ocorrendo por conta e risco dos aerodesportistas. Uma pessoa somente pode embarcar outra pessoa em balão livre tripulado se o usuário estiver ciente de que se trata de atividade desportiva de alto risco", disse a agência, por meio de nota.
Já no balonismo profissional, que é submetido às regras da aviação geral, exige-se certificado de aeronavegabilidade válido, licença do piloto e uma matrícula da aeronave no Registro Aeronáutico Brasileiro (RAB).

Assim, a certificação só é dada pela Anac quando a empresa atende a todas as exigências e critérios de segurança. Nenhuma empresa possui até hoje a certificação que ateste o atendimento a todos os critérios.

Todas as empresas em atividade no Brasil atuam como se fizessem apenas voos recreativos ou desportivos. Por trás do processo de certificação há uma série de custos atrelados à exigências técnicas e treinamentos.

No balonismo profissional, o operador também precisa ter a chamada Licença de Piloto de Balão Livre (PBL) válida. Não era esse o caso do piloto Elves de Bem Crescêncio, que comandava o balão que caiu em Praia Grande.

Ele tem apenas uma "certidão de cadastro de aerodespostista", ou seja, para recreação - documento que foi apresentado à reportagem pela defesa dele. A Folha de S.Paulo procura Crescêncio desde a tarde desta segunda-feira (23), mas não teve resposta.

Empresas que atuam de forma irregular podem ser alvo de multas e suspensão de operação, segundo o advogado Rafael Verdant, do escritório Albuquerque Melo e especialista em direito no setor aéreo. Para ele, a situação atual do setor é grave.

"Estamos diante de uma situação extremamente preocupante, exigindo ação imediata das autoridades para reforçar a fiscalização e assegurar que as operações sejam realizadas com as certificações adequadas, garantindo a segurança e a regularidade do setor" afirma.

"Na esfera administrativa, a principal consequência é a imposição de multas pela Anac, além de possíveis sanções como a interdição das atividades e a suspensão das licenças dos pilotos e operadores envolvidos".

O advogado reforça que explorar comercialmente serviços aéreos sem autorização é expressamente proibido pelo Código Brasileiro de Aeronáutica (CBAer).

"Na esfera da responsabilidade civil, em caso de acidentes ou incidentes, essas empresas ficam integralmente expostas a ações judiciais visando a reparação completa dos danos causados. Isso decorre não apenas da proteção conferida pelo direito do consumidor, mas também da irregularidade das operações em si, uma vez que esses operadores frequentemente deixam de atender exigências essenciais, como a contratação do seguro obrigatório adequado", diz Verdant.

O especialista diz que vítimas e familiares de eventuais acidentes podem ingressar com ações indenizatórias. Ele também chama a atenção para o fato de que as operações irregulares violam a Lei Geral do Turismo, além de expor os operadores à responsabilidade civil prevista no Código de Defesa do Consumidor e no Código Civil.

Embora não exista no Código Penal um tipo específico para o transporte aéreo irregular, Verdant diz que é possível a aplicação de crimes gerais previstos em artigos do Decreto-Lei de Contravenções Penais e do Código Penal.

Ele destaco o artigo 261 do Código Penal, que prevê penas de dois a cinco anos de reclusão para aqueles que expõem aeronaves a risco. "Caso ocorram mortes ou lesões graves, pilotos, responsáveis técnicos e administradores da empresa poderão responder criminalmente por homicídio ou lesões corporais culposas, com possíveis agravantes decorrentes da inobservância de normas técnicas", disse.

Conforme as regras da Anac, os interessados em praticar o balonismo devem procurar centros de instrução de aviação civil autorizados pela agência ou associações aerodesportivas credenciadas que ofereçam cursos de piloto de balão. O exame de proficiência para obtenção da PBL e para sua revalidação podem ser realizados nos mesmos locais.

A agência afirma ainda que a exploração comercial de atividades aéreas sem autorização da agência é "proibida por lei e a agência não concede autorização para exploração de atividades aéreas que utilizem aeronaves não certificadas ou que sejam realizadas por pessoas não habilitadas pela Anac".