Isabela Lana, jornalista de 25 anos, decidiu sair de casa assim que passou na faculdade de jornalismo, em 2019. Para chegar ao campus, precisaria pegar três conduções diariamente. Diante disso, optou por alugar uma casa no bairro São Gabriel, na região Norte de Belo Horizonte, mais próximo da faculdade, e experimentar a vida sozinha.
“Além da distância, eu morava na periferia com minha mãe e meus três irmãos, em uma casa pequena. Era muito barulho, muito conflito, e eu sabia que isso atrapalharia meu desempenho como estudante. Então, achei que o melhor seria ir para um lugar tranquilo, onde eu tivesse um espaço só meu”, conta a jovem.
A história de Isabela, que atualmente mora no bairro Goiânia, na região Nordeste de BH, reflete uma realidade que tem se tornado cada vez mais comum. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em outubro do ano passado, em 12 anos quase dobrou o número de mineiros que passaram a viver sozinhos. Em 2010 eram 783,5 mil domicílios em Minas Gerais só com uma pessoa. Uma década depois esse número passou para 1,5 milhão. O Estado segue uma tendência nacional, que também viu saltar de 6,9 milhões para 13,7 milhões o número de domicílios com apenas um morador – crescimento de 98,5%.
Luciano Gomes, cientista social da UniArnaldo BH, explica que atualmente há uma busca cada vez maior pela individualização. “Hoje, as pessoas optam por ter famílias menores, e esse movimento já começa com a decisão de morar sozinho”, explica. Ele destaca as mudanças culturais como um fator determinante. “O ser humano passou a valorizar muito mais a autonomia, e morar sozinho se tornou um símbolo de independência e liberdade”, acrescenta.
A psicóloga Paula de Paula reforça que esse comportamento reflete uma transformação social significativa, chamada “movimento single”. “No passado, muitas pessoas só saíam da casa dos pais quando se casavam. Especialmente para as mulheres, havia uma forte dependência da aprovação de terceiros. Hoje, podemos nos movimentar e construir nossas próprias trajetórias. Esse é um dos maiores impactos da modernidade. Antes, as pessoas viam quem morava sozinho como alguém triste, solitário ou com algum problema psicológico. Hoje, isso se tornou uma tendência. Morar sozinho é um privilégio, um estilo de vida”, analisa.
Apesar de feliz com sua escolha, Isabela admite que a adaptação trouxe desafios. “A maior dificuldade foi lidar com a própria companhia. Foi um período de muita autoanálise. Às vezes, tem muito silêncio”, revela. No início, ela gastava muito dinheiro saindo de casa para estar perto de outras pessoas. “Sou muito expansiva, cresci dividindo um quarto com quatro irmãos e, de repente, me vi sozinha”, relembra.
Essa sensação, segundo a psicóloga, é natural. “Somos seres de hábitos, e toda mudança de rotina exige um tempo de adaptação. Mas é justamente nesse processo que está o aprendizado: entender que é possível viver sozinho e se reconhecer como um indivíduo completo, com vontades e desafios próprios”, conclui Paula.
Idosos têm aprendido a curtir a própria companhia
De acordo com o IBGE, em 2010, 2,6 milhões de pessoas com 60 anos ou mais moravam sozinhas no Brasil, esse número mais que dobrou em 2022, passando para 5,6 milhões – alta de 110,18%. Para Luciano Gomes, cientista social, o envelhecimento populacional é a principal causa desse aumento.
Ele explica que essa situação costuma ser consequência de um fluxo natural da vida: “Muitas vezes o parceiro morre, os filhos vão embora, e essa pessoa se vê sozinha”, afirma o especialista. No entanto, ele acredita que, em muitos casos, os idosos também têm reaprendido a encontrar prazer na própria companhia. “Antes, o parceiro morria, e o outro logo buscava um novo casamento, porque ficar sozinho(a) era mal visto. Hoje em dia, as pessoas aceitam que é possível viver sozinho e ser feliz”, destaca Gomes.
Esse é exatamente o caso do aposentado Luiz Henrique de Assis, de 81 anos. “Depois que a minha esposa morreu, há seis anos, e todos os meus quatro filhos se casaram e saíram de casa, fiquei sozinho”, conta. Para ele, morar sozinho traz tranquilidade e autonomia em sua rotina. “Eu vejo televisão, faço meus exercícios e alongamentos. É claro que é bem melhor ter companhia, mas me sinto muito bem, na verdade. Sou mais focado em mim mesmo”, explica.
Pandemia
O cientista social Luciano Gomes explica que a pandemia normalizou a solidão. “Tivemos que viver de forma isolada até mesmo dentro de casa. Isso mudou muito a percepção de morar sozinho. Muita gente passou a preferir essa configuração, logo, é normal que isso siga aumentando”.
Melhora na renda
A psicóloga Paula de Paula indica que a renda pode motivar jovens e adultos a morar sozinhos. “O carro e a casa própria são sonhos naturais de uma sociedade capitalista. Hoje em dia, com o primeiro salário, são as primeiras coisas que as pessoas buscam: conforto e independência”.