Uma escolinha infantil do pré em São João Batista, município catarinense a cerca de 80 km de Florianópolis, foi acusada por um vereador de promover segregação racial de crianças. Teodoro Adão (MDB) afirma que o Núcleo Infantil Cebolinha, da rede municipal de ensino, separava os estudantes por cor em salas diferentes, o que a prefeitura nega.
Ele denunciou o caso durante uma sessão na Câmara dos Vereadores da cidade na segunda-feira (17/12). “Cinco pais me procuraram nesta semana e pediram para eu dar uma atenção à escolinha do Cebolinha. Na escola, 12 crianças em uma sala e 12 em outra. Quando eu chego lá, em uma sala, todas as crianças são branquinhas com olhos verdes, os que não tinham olho verde tinham a cara clara. E na outra, todos os ‘negrinhos’, e falo ‘negrinho’ porque sou ‘negão’ também e não tenho vergonha de falar da minha raça. Só tinha uma criança branca junto daqueles ‘moreninhos’ que estavam lá dentro. A professora falou que, quando chegou, já estavam separados e não podia fazer nada. A outra comentou que viu isso, mas não quis comentar nada e deixou quieto para não dar desgaste”, relatou.
A prefeitura de São João Batista divulgou uma nota em que afirma que as alegações sobre separação de crianças por cor “são falsas, não têm fundamento” e estariam sendo utilizadas de maneira política. “A distribuição das turmas foi feita de forma aleatória, sem qualquer tipo de discriminação. A secretaria repudia qualquer forma de preconceito e assegura que todas as crianças são tratadas com respeito e igualdade, independente de cor, origem ou classe social”, diz. Procurada pela reportagem, ela enfatizou, ainda, que a Secretaria Municipal de Educação apurou a denúncia e que não houve separação de estudantes por cor.
Nas redes sociais, o deputado Teodoro Adão replicou o posicionamento do governo municipal. “Não sou mentiroso e sei muito bem o que vi na escola. Não estou aqui para inventar fatos ou distorcer a realidade. Tenho, inclusive, áudios de pais que comprovam o que foi relatado. (...) Se houve uma correção, que bom! Isso significa que o problema foi reconhecido e solucionado. Mas o que não pode acontecer é tentar inverter os fatos para justificar um erro”, disse.
A advogada Alana Mendes, diretora do Instituto de Ciências Penais e membro da Ordem dos Advogados do Brasil em Minas (OAB-MG), esclarece que, caso fosse comprovada a segregação, o caso seria enquadrado como crime de racismo. “No artigo sexto, a Lei do Racismo fala sobre ensino público e privado e traz uma pena maior caso o crime seja cometido contra menores de 18 anos”, explica.
Ela também detalha que a investigação precisaria descobrir quem deu a ordem para a suposta separação por cor das crianças. “No Brasil, em regra, não conseguimos punir entidades, e sim pessoas, com exceção do direito ambiental. Então, a pessoa que deu a ordem seria punida. As melhores opções seriam acionar a Polícia Militar e o Ministério Público”, prossegue.
“Essa questão da separação e da segregação escolar por raça é tão absurda que nosso país tem uma legislação que torna obrigatória a inclusão da história e cultura afrobrasileira e indígena nas escolas”, conclui a advogada.
Confira a nota oficial da prefeitura de São João Batista na íntegra:
"A Prefeitura Municipal de São João Batista vem a público esclarecer novamente que preza pelo respeito à legislação vigente e aos preceitos constitucionais, quer seja em relação aos Princípios da Legalidade, Impessoalidade e Moralidade dispostos no art. 37 da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), quer seja quanto à igualdade e combate ao racismo e preconceito de qualquer origem, conforme consta nos objetivos da República, art. 3º, inciso IV, da CRFB.
Ainda, é de observância obrigatória a garantia a todas as crianças e adolescentes que não serão objetos de qualquer forma de negligência, discriminação, crueldade ou opressão, conforme consta no art. 5º da Lei Federal nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).
Diante disto, após as graves acusações feitas na Câmara Municipal na sessão da última segunda-feira (17/02/2025), a Secretaria Municipal de Educação imediatamente realizou uma apuração interna dos fatos e não constatou nenhuma evidência de que haja ou tenha ocorrido a separação de turmas por cor da pele no Núcleo Infantil Cebolinha.
Quanto ao processo de matrícula é feito via cadastro, com os dados pessoais e autodeclaração da origem étnico-racial preenchida pelos genitores/responsáveis legais da criança a ser matriculada, os quais não passam por juízo valorativo ou análise de qualquer setor da Prefeitura.
No caso em apreço, convém salientar que a unidade possui apenas duas salas de aula, sendo que no turno da manhã são atendidas duas turmas de Pré-Escola II e, no turno da tarde, duas turmas de Pré-Escola I. Desta forma, como regra, as crianças atualmente matriculadas na Pré-Escola II são praticamente as mesmas que já frequentavam o educandário no ano anterior, enquanto as da Pré-Escola I ingressaram neste ano, provenientes de outras instituições.
Do total de novos alunos, os cuidados adotados pela Secretaria de Educação são: manter o mais próximo possível a paridade entre sexos biológicos das crianças e cuidar de eventuais condições e necessidades especiais para que haja atendimento específico dos professores a superar as barreiras educacionais que o aluno venha a apresentar.
Das turmas em questão, cabe salientar que, no total, elas possuem 31 alunos, sendo que, em uma turma, há 16 alunos (sendo 15 autodeclarados brancos e 1 negro) e, na outra, 15 alunos (sendo 10 autodeclarados brancos, 2 negros, 2 morenos e 1 em que não houve autodeclaração).
Diante destes números, fica o questionamento, alusivo à denúncia, de como seria possível haver qualquer segregação racial na distribuição das turmas. Cumpre destacar, no entanto, que em momento algum este campo foi levado em consideração para distribuição das turmas – o que demonstra a miscigenação e inobservância da segregação objeto da acusação.
Ainda diante da repercussão do caso, em diligência interna, ocorrida nesta quinta-feira (20/02/2025), os pais/responsáveis foram ouvidos e indagados se, de alguma forma, sentiram-se com algum direito desrespeitado ou gostariam que suas crianças trocassem de turma. Para ambos os questionamentos, as respostas foram negativas.
Ainda assim, convém relembrar que a prática de racismo é considerada crime inafiançável e imprescritível (CRFB, art. 5º, XLII), cuja gravidade demanda apuração dos órgãos competentes, tanto que o Ministério Público do Estado de Santa Catarina foi acionado para averiguação, estando a Administração Pública Municipal e servidores à inteira disposição para esclarecimentos.
Por fim, cabe salientar que a imputação falsa de crime a qualquer pessoa, sabidamente inocente, configura crime, conforme art. 340 do Código Penal, e/ou denunciação caluniosa, de acordo com o art. 339 do mesmo diploma legal, o que clama pela temperança quando da divulgação do tema.
A Administração Pública Municipal se mantém à disposição de qualquer autoridade ou veículo de imprensa a demonstrar documentalmente as informações contidas na presente nota e disposta a colaborar da melhor forma possível, respeitando os dados sensíveis e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) dos alunos."
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