O mundo acompanha os desdobramentos do apagão que atingiu países na Europa como Portugal, Espanha, França e Bélgica. As causas ainda são apuradas, mas a falta de energia, que durou mais de 10 horas, impactou mais de 50 milhões de pessoas, gerou transtornos e resultou no desabastecimento em supermercados, por exemplo, de cidades na Península Ibérica

Mas engana-se quem pensa que o Brasil está imune a um apagão. O país, inclusive, já registrou uma falta sistêmica de energia anteriormente, até mesmo em proporções maiores do que o registrado na Europa. O último caso foi em 2023, quando o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) verificou uma falha no desempenho de equipamentos de parques eólicos e solares, localizados próximos à linha de transmissão Quixadá – Fortaleza II, no Ceará. 

Na ocasião, cerca de 29 milhões de brasileiros em 25 estados e no Distrito Federal ficaram sem luz. A interrupção começou na manhã do dia 15 de agosto, com queda no fornecimento de 19 mil megawatts, cerca de 27% da carga total (73 mil MW). Nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste o serviço foi restabelecido quase que integralmente em menos de uma hora. Já na Região Nordeste, a recuperação demorou mais. 

Foram necessárias três horas para restabelecer apenas 70% da carga afetada. O impacto foi ainda maior na Região Norte, com recuperação da carga em cerca de sete horas. “É engraçado que se a gente olhar em proporção, o nosso foi até maior, porque a gente tem uma demanda maior de energia do que a Espanha e do que Portugal, né? Só em Portugal, por exemplo, vi uma notícia de que 6 milhões de clientes foram impactados. Isso é metade da população de São Paulo”, comentou o consultor de energia da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), Sérgio Pataca. 

Outro episódio histórico no Brasil foi no início dos anos 2000, quando o país enfrentou uma seca nos reservatórios. Em 2001, o então presidente Fernando Henrique Cardoso anunciou que o país precisaria cortar 20% do consumo de energia. O período de racionamento, que levou o nome de apagão, começou em maio e durou quase um ano, com uma rotina de economia no consumo dos brasileiros sob risco de cortes de luz. 

A redução no uso de eletricidade não evitou, porém, uma dificuldade na oferta de energia, em função da seca. Para Sérgio Pataca, historicamente o Brasil vem aprendendo a lidar com as intermitências na rede, sobretudo com a expansão das matrizes eólica e solar. No país, atualmente, a matriz energética tem como fontes principais de geração, de acordo com a União: 

  • petróleo e derivados: 35,1% 
  • derivados da cana-de-açúcar: 16,8%
  • hidráulica: 12,1% 
  • gás natural: 9,6% 
  • lenha e carvão vegetal: 8,6% 
  • outras renováveis: 7,2% 
  • éolica e solar: 4,4% 
  • carvão mineral: 4,4% 
  • nuclear: 1,2%

“A gente teve talvez, na Europa, um problema forte do lado da geração que ocasionou um um desarme geral, que a gente fala que vai desarmando em cadeia. Como lá em Portugal o sistema, em si, tem esse crescimento também de energia eólica e energia solar, principalmente a eólica, pode ser que tenha acontecido uma falha na base de geração igual  aconteceu aqui em 2023. Então, eles estão aprendendo como operar o sistema nessa intermitência que a eólica e a solar gera. E foi o que aconteceu com a gente no Brasil e o ONS, depois do que aconteceu, melhorou algumas proteções, algumas parametrizações de proteção, pressão, algumas, algumas defesas do sistema elétrico”, salientou Pataca. 

O consultor afirmou que a operação em períodos de intermitência ainda demanda aprendizado, pesquisa e investimentos em equipamentos. “Com isso, a gente vai evoluir tecnicamente também para melhorar essa intermitência”, completou. Na avaliação do consultor de energia da Fiemg, o Brasil não está imune a um episódio como o que ocorreu na Europa. 

Segundo ele, o risco está mais relacionado ao chamado apagão técnico, como o registrado em 2023, a partir do desarmamento em uma linha de transmissão como Tucuruí, no Pará, e Itaipu, no Paraná. “Elas são linhas essenciais e estruturantes”, classificou Sérgio, ao frisar, no entanto, que o risco no Brasil é baixo. 

“A gente não teve um crescimento expressivo da demanda nos últimos anos que causaram uma sobrecarga, e tivemos um crescimento expressivo da geração de energia, principalmente solar e eólica. Então, a energia hoje a gente tem. O risco é menor, mas claro, se a gente ficar quatro anos sem chuva, não vai existir mais hidrelétrica e a gente vai voltar a ter um risco de apagão”, finalizou Sérgio Pataca. 

A reportagem questionou o Ministério de Minas e Energia sobre o assunto, mas a pasta não se pronunciou até a publicação desta matéria. 

Risco afastado 

Em fevereiro, o ONS afastou a possibilidade de risco iminente de apagão no Brasil. A possibilidade havia sido aventada pela imprensa, a partir do acesso a relatórios do Plano da Operação Elétrica de Médio Prazo do SIN (PAR/PEL). O documento apontou possíveis sobrecargas na rede de nove estados brasileiros até 2029, conforme noticiado pelo colunista Lauro Jardim no jornal O Globo, em 9 de fevereiro.

O problema seria gerado a partir do crescimento da geração de energia descentralizada em fontes solares. Os estados atingidos seriam Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Mato Grosso, Rondônia, Bahia, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Piauí. “O documento, produzido anualmente, apresenta avaliações do desempenho elétrico do Sistema Interligado Nacional (SIN) num horizonte de cinco anos à frente, de modo que a operação futura ocorra com qualidade e equilíbrio entre segurança e custo”, disse. 

À época, o ONS informou que o sistema elétrico brasileiro é robusto e segue operando com segurança. “Os desafios apontados no Plano da Operação Elétrica de Médio Prazo do SIN (PAR/PEL) são parte de um processo contínuo de modernização e adaptação do setor. O ONS reforça seu compromisso com a transparência e com a adoção das melhores práticas para garantir um sistema elétrico cada vez mais seguro e eficiente”, comentou. O risco também foi rechaçado pelo Ministério de Minas e Energia.