Os medicamentos injetáveis usados no tratamento da obesidade e do diabetes tipo 2 - os agonistas de GLP-1, como Wegovy, Ozempic e Mounjaro - revolucionaram a indústria farmacêutica nos últimos anos. Além de comprovarem eficácia na proteção cardiovascular e no controle de gordura no fígado, seu principal atrativo é a perda de peso.

Mas os efeitos colaterais, especialmente os relacionados a refluxo e vômito, têm chamado atenção de dentistas, já que podem causar danos bucais como corrosão dental e mau hálito. Afinal, por que isso acontece?

Essas medicações, à base de semaglutida e tirzepatida, estão associadas a alterações significativas na saúde bucal, como boca seca (xerostomia) e baixa produção de saliva, condição que favorece a proliferação de bactérias causadoras de mau hálito e cáries.

A cirurgiã-dentista Bianca Soares Zambiasi, doutora em dentística restauradora, explica que "a saliva é fundamental para equilibrar o pH e promover a limpeza natural da cavidade oral. Já os ácidos gástricos têm alta característica abrasiva. Entre os prejuízos, estão maior risco de erosões dentais, retração ou inflamação gengival e mau hálito."

Um dos principais efeitos colaterais desses fármacos é o refluxo gastroesofágico, que pode danificar os dentes. A endocrinologista Deborah Mello Beranger, especialista em obesidade e emagrecimento, ressalta que o vômito também pode ocorrer, devido ao esvaziamento gástrico mais lento provocado pela medicação, o que gera sensação de inchaço e náusea.

"É comum que o paciente apresente alterações no paladar, nas papilas gustativas e até na aparência da língua. Essas mudanças podem ocorrer não apenas pelo refluxo, mas também como efeito direto da medicação", explica a endocrinologista.

Além de acompanhamento odontológico regular, ela recomenda que os pacientes não passem longos períodos sem se alimentar. O ideal é fazer pequenas refeições a cada três horas. Essa prática reduz o risco de hipoglicemia, cetoacidose diabética (em quem tem diabetes) e minimiza episódios de refluxo e regurgitação.

Quando os vômitos são frequentes, o esmalte dos dentes sofre desgaste devido ao contato repetido com o ácido clorídrico do estômago, aumentando os danos ao longo dos meses e anos.

"O ideal é procurar um cirurgião-dentista assim que iniciar o tratamento para receber orientações personalizadas. A higiene bucal rigorosa é o segundo pilar de prevenção. Nem todos os pacientes terão complicações, mas é possível se prevenir", completa Zambiasi.

POSSO TER MAIS CÁRIES COM ESSES MEDICAMENTOS?

A baixa produção de saliva pode aumentar o risco de cárie, pois a saliva ajuda a neutralizar o pH, controlar bactérias e remover resíduos alimentares. No entanto, a cárie é uma doença multifatorial, que depende também da higiene oral, do consumo de açúcar e do uso de flúor.

"Pacientes com hipossalivação podem manter a boca saudável se seguirem uma rotina adequada de higiene e dieta, usando creme dental fluoretado e evitando açúcares em excesso", explica Zambiasi.

ROTINA DE CUIDADOS

  • Higiene oral rigorosa: escovação frequente e uso diário de fio dental para evitar acúmulo de placa e halitose.
  • Alimentação equilibrada: reduzir consumo de alimentos ácidos e gordurosos, que agravam o refluxo.
  • Acompanhamento odontológico regular.
  • Bianca Soares Zambiasi sugere uma rotina de cuidados bucais:
    Creme dental: escolher opções com baixo índice de abrasividade (RDA até 100), que contenham 1.000 a 1.500 ppm de flúor para proteger o esmalte e prevenir cáries.
  • Escova de dentes: optar por cerdas extra ou ultra macias para evitar desgaste do esmalte e retração gengival.
  • Escovação: escovar os dentes após todas as refeições ou sempre que houver episódios de refluxo ou vômito. A escovação noturna é essencial, pois a produção de saliva cai durante o sono.

"Essas recomendações não valem apenas para pacientes que usam semaglutida ou tirzepatida, mas para toda a população. Quem está em tratamento deve reforçar os cuidados, principalmente se houver boca seca, vômito ou refluxo", completa a dentista.