Após pressão do Congresso Nacional e da própria sociedade civil, o Ministério da Educação (MEC) anunciou nessa quarta-feira (20) o adiamento do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano. A aplicação das provas, que estava prevista para acontecer em novembro, serão adiadas de 30 a 60 dias devido à pandemia do novo coronavírus.

Segundo a pasta, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) deve promover em junho uma enquete na internet direcionada aos inscritos do Enem 2020. O objetivo é escolher as melhores datas – a aplicação das provas impressas estava programada para os dias 1º e 8 de novembro; já o exame digital, inédito no país, aconteceria nos dias 22 e 29 de novembro.

Congresso

Na noite da última terça-feira (19), os senadores aprovaram por unanimidade o texto-base de uma proposta que determinaria o adiamento do Enem. O projeto, de autoria da senadora Daniella Ribeiro (PP-PB), foi aprovado por 75 votos a favor e 1 contrário – de Flávio Bolsonaro (sem partido), filho do presidente da República.

A justificativa dos senadores que aprovaram o texto seria que a manutenção das datas das provas iria causar deslgualdade entre os alunos, porque, devido ao isolamento social e à falta de aulas presenciais, muitos estudantes não teriam acesso à educação de qualidade e ficariam prejudicados em relação aos demais.

Criadora de uma petição online com cerca de 246 mil assinaturas para adiar as provas do Enem, Elisa Teixeira, de 20 anos, comemorou a decisão tão aguardada do ministro Abraham Weintraub. “Essa é uma vitória dos estudantes, porque mostrou que a gente, se unindo, tem força. Educação não é mercadoria, é um direito”, afirmou.

Segundo a estudante, que também se prepara em um cursinho da capital, a medida precisa valer enquanto as aulas não voltarem. “Agora a gente vai ter que correr atrás. Enquanto não tiver aula, não tem como ter Enem. Foi uma vitória muito grande dos alunos, porque agora eles vão poder se adaptar, mas o MEC precisa investir nesses jovens que não têm acesso à internet e à presença do professor, para que eles não fiquem prejudicados”, concluiu.

De acordo com Rommel Domingos, especialista em Enem e diretor de ensino do grupo Bernoulli Educação, o adiamento das provas era esperado pela quase totalidade dos estudantes que estavam se preparando para o exame. “Eles desejavam esse adiamento porque fura menos o planejamento deles para o ano. É claro que com a pandemia nós não sabemos quando as aulas presenciais vão voltar, mas manter o Enem era uma decisão descabida e incoerente”, disse.

“A dica que eu dou para eles é focar na qualidade do estudo, não no tempo. Não adianta ele aproveitar todo o tempo que tem durante essa pandemia para estudar se ele não vai aprender muito”, ponderou.

Desigualdade

Uma das principais reinvindicações das pessoas que apoiam o adiamento das provas é a desigualdade entre os alunos de todo o país, já que muitos não têm possibilidade de ter acesso ao ensino de qualidade fora da escola. Segundo Domingos, esse é um problema antigo no Brasil e que se evidencia em tempos de crise. “Esses alunos mais carentes foram prejudicados, sem dúvida alguma. Esses problemas sociais já existem independentemente da pandemia, mas agora essas desigualdades se agravam. Os alunos mais pobres não têm acesso à internet de melhor qualidade, ou mesmo nem isso. Mas é bom que os senadores e o ministro perceberam que essa é a demanda do povo”, opina o especialista.

Ainda de acordo com Domingos, se o exame for adiado mais, será a vez de as faculdades e universidades se adaptarem. “O problema de empurrar demais a prova é que pode comprometer o primeiro semestre letivo do ano que vem. As faculdades terão que alterar seus cronogramas. O mais importante é que o adiamento do Enem não prejudique a entrada dos estudantes na faculdade”, concluiu.

Tales Greco, de 17 anos, concluinte do Ensino Médio em 2020, considera que o adiamento das provas é importante principalmente para os alunos de baixa renda. “É importante ter adiado o Enem por causa da desigualdade de acesso à educação. Hoje em dia, a gente sabe que boa parcela da população brasileira não tem acesso à internet. E, com a quarentena, as pessoas que antes frequentavam as aulas presenciais nas escolas públicas não conseguem assistir às aulas online ou ter acesso a conteúdos que elas teriam normalmente”, pontua.

O estudante, matriculado no Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG) e que pretende cursar medicina, conta que mesmo em casa está sendo difícil preparar-se para o exame nacional. “Para esse ano, eu não consigo focar no Enem totalmente ainda, devido ao grande número de atividades e trabalhos que eu tenho, também pelo curso técnico que eu faço junto com o ensino médio, de automação industrial", diz.

Discordância

Entretanto, há quem tenha sido contra o adiamento do Enem 2020. Segundo Cleynanda Moreira, de 17 anos, a decisão vai prejudicar aqueles que vinham se preparando desde o início do ano. “Tem muitas pessoas que se prepararam para esse Enem e para outros vestibulares há um ano ou mais. Por que escutar só um lado da moeda? Temos que levar em conta também que não é só a elite que é contra o adiamento. Eu não sou da elite, e nem por isso vivo dentro de uma bolha”, disse.

Cleynanda, que também pretende cursar medicina na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), ponderou que o governo pode adotar um novo plano para aplicar as provas. “A minha proposta é que as datas das provas continuem as mesmas, porém, após esse período, aqueles que acharem que foram prejudicados com a pandemia fariam novas avaliações”, sugere.

Quanto ao prazo para as inscrições no exame, nada muda até então. Elas seguem abertas até as 23h59 desta sexta-feira (22).