Uma viúva teve acesso aos dispositivos do ex-marido negado em julgamento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). A 3ª Câmara Cível da Corte indeferiu o pedido que ela havia feito para acessar “contas e dispositivos da Apple” do falecido com base no direito à intimidade e ausência da previsão de acesso na herança do home.
Nos autos, ela alegou que não tinha as senhas de acesso ao smartphone e notebook, que estão bloqueados desde a morte, e que o serviço técnico não conseguiu acesso aos dispositivos.
A desembargadora Albergari Costa, relatora do caso, entendeu que a herança inclui não só o patrimônio material, “como também o imaterial”. Mas, se não estiver especificado acesso no documento, bens digitais não estariam disponíveis para a família. A juíza determinou que "mídias digitais de propriedade intelectual do falecido” e até moedas digitais ou NFTs fazem parte da regra.
“Assim, há de se reconhecer a existência da herança digital, uma vez que os ativos digitais poderão ser suscetíveis de negociações comerciais, levando em conta o seu reconhecido conteúdo econômico-patrimonial. Isso porque os direitos da personalidade são inerentes à pessoa humana, necessitando de proteção legal”, pontuou no voto.
Porém, a magistrada entendeu que o acesso às informações do ex-marido só poderia ser concedida em hipóteses de relevância dos dados para algo. Com isso, não haveria garantia constitucional para o pedido, que não está em consonância com o direito de intimidade, de acordo com a relatora.
Herança digital
O Judiciário vem repetidas vezes entendendo que os ativos digitais integram a herança, conforme o advogado Marcos Ehrhardt Júnior, vice-presidente da Comissão Nacional de Família e Tecnologia do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). "A herança tradicionalmente é entendida como a universalidade de direitos. Um conjunto de todos os direitos, deveres, créditos, pretensões e débitos que o falecido deixou. Os ativos digitais não são diferentes e integram a herança digital”, afirma.
Ele ressalta que não há previsão de acesso a bens digitais no Código Civil, que foi redigido antes de os assuntos terem relevância. “A parte patrimonial deve ser assegurada e transferida para os herdeiros. Contudo, as conversas privadas que ele tinha, eventuais fotografias que foram trocadas e outros ativos digitais que dizem respeito à expressão de seus direitos de personalidade vêm sendo apontados pela doutrina especializada como bens que não devem ser de transferência”, completa o advogado.