Hospital Municipal Brigadeiro

MP abre inquérito para investigar irregularidades em hospital para Covid em SP

Há relatos de que na unidade faltavam medicamentos para tratamento intensivo como sedativos, bombas de infusão e material para ventilação não invasiva

Por ALINE MAZZO / FOLHAPRESS
Publicado em 18 de maio de 2021 | 16:46
 
 
 
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O Ministério Público de São Paulo abriu um inquérito civil para investigar irregularidades na gestão e no funcionamento do Hospital Municipal Brigadeiro, nos Jardins (zona oeste de SP), inaugurado pela gestão Bruno Covas (PSDB) em fevereiro para tratar pacientes com Covid-19.

Instaurado pela promotora Dora Martin Strilicherk em abril, o inquérito apura problemas como a falta de insumos e adaptações necessárias para realizar internação de pacientes, quadro médico incompleto e insuficiência de oxigênio, bem como a quarteirização na contratação de profissionais de saúde e a falta de documentos para funcionamento –como alvará da Vigilância Sanitária e autorização do Corpo de Bombeiros.

O Hospital Municipal Brigadeiro foi inaugurado em 11 de fevereiro para atender pacientes internados com Covid-19 –o 8º de 10 inaugurados em pouco mais de um ano. A unidade, segundo a prefeitura, tem 110 leitos, sendo 100 de enfermaria e 10 de UTI.

Nele, a população contará com serviços de raio-X, eletrocardiografia, tomografia, laboratório de exames e leitos de observação para adultos", diz trecho de texto no site da prefeitura anunciando a abertura da unidade.

O hospital é gerido pela organização social SPDM (Sociedade Paulista para Desenvolvimento da Medicina) ao custo mensal de R$ 4.878.172,83 –incluindo materiais e insumos, por meio de um contrato emergencial, segundo a prefeitura. Para concluir a obra, a prefeitura ainda repassou R$ 1,4 milhão para outra organização social, Associação Saúde da Família, e investiu mais de R$ 720 mil para equipar o centro hospitalar.

Representação ao Ministério Pública feita por médico plantonista do hospital relata que a unidade foi inaugurada sem condições de funcionamento. Faltavam, segundo ele, medicamentos para tratamento intensivo como sedativos, bombas de infusão e material para ventilação não invasiva.

Os elevadores, de acordo com o médico, não estavam adaptados para carregar macas, as portas dos banheiros eram estreitas e não havia laboratório de análises clínicas nem tomógrafo.

Ele ainda citou que médicos plantonistas teriam de acompanhar pacientes em caso de remoção ou transferência e que não havia profissionais treinados para para fazer a regulação das internações via Cross (Central de Regulação de Ofertas de Serviços de Saúde) –sistema que faz a gestão de vagas disponíveis na rede pública de saúde da cidade.

O médico ainda informou que na madrugada de 20 de fevereiro, os médicos plantonistas receberam ordem do diretor do hospital para reduzir a oferta de oxigênio aos pacientes, pois o insumo estava acabando e não havia previsão de entrega pela empresa responsável.

Como não havia fisioterapeutas que pudessem auxiliar na avaliação dos doentes e diante do gravidade do quadro de alguns deles, a equipe, ainda de acordo com o médico, decidiu por não reduzir a oferta de oxigênio e comunicou o problema à direção da unidade a à empresa MedTrust, contratante dos profissionais de saúde.

O médico ainda relata que o oxigênio chegou às 8h, quando o tanque estava quase vazio e o fornecimento dos gás chegou a ser interrompido por instantes durante o reabastecimento, o que teria causado desconforto respiratório de pacientes –um deles quase precisou ser intubado.

A promotora exigiu um posicionamento da prefeitura e da SPDM no início de março. A pasta, segundo documentos reunidos pelo MP, respondeu com um relatório da SPDM em que a empresa afirma que o hospital passa por adequações, mas nega as irregularidades e informa que o médico foi desligado do quadro de funcionários.

Foi solicitada ainda uma vistoria do Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) ao hospital a fim de verificar as irregularidades relatadas.

Em visita à unidade, em 19 de março, representantes do Cremesp verificaram que só 60 leitos (50 de enfermaria e 10 de UTI) do total de 110 estavam em funcionamento mais de um mês após a abertura da unidade. Dos cinco pavimentos do edifício, apenas três funcionavam –UTI no térreo, enfermaria Covid no 1º andar e enfermaria para casos suspeitos de Covid no 2º andar.

A unidade também não contava com laboratório de análises clínicas nem tomógrafo, de acordo com relatório da vistoria. As amostras eram coletadas e levadas ao Hospital Municipal Arthur Ribeiro Saboya, no Jabaquara (zona sul de SP), para serem processadas. Já os pacientes que precisavam de tomografia eram levados até o Hospital Sorocabana, na Lapa (zona oeste), para realizar o exame.
Os técnicos do Cremesp ainda apontaram que as portas dos banheiros são estreitas e inadequadas.

Foi constatado que médicos plantonistas precisam acompanhar pacientes em caso de remoções ou transferências, caso necessário –desfalcando equipes de atendimento–, e que a avaliação de solicitações é feita por um médico da enfermaria –e não por um profissional treinado para lidar com a Cross.

A vistoria ainda concluiu que os funcionários são contratados pela empresa MedTrust e não pela SPDM, com quem a prefeitura firmou o contrato de gestão.

Os técnicos do conselho, no entanto, afirmaram ter dificuldade em conseguir documentação para averiguar os demais problemas apontados na representação.

"Portanto, no ato da vistoria não foi possível comprovar as informações prestadas mediante documentos, tais como: listos dos médicos do corpo clínico do hospital, com os respectivos CRM; escala de trabalho dos médicos; escala de trabalho dos fisioterapeutas; recursos humanos do hospital; censo dos pacientes internados no momento da vistoria; lista de materiais em estoque; lista de equipamentos de proteção individual em estoque; lista dos serviços médicos e não médicos terceirizados; consumo de oxigênio mensal", diz trecho do relatório.

Por fim, a unidade funciona sem o alvará da Vigilância Sanitária, o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros e o Certificado de Regularidade de Inscrição de Pessoa Jurídica, que deveria conter o registro de formação e qualificação dos profissionais com suas funções desempenhadas.

Mesmo sem a conclusão do inquérito, a promotora já determinou que a Coordenadoria de Parcerias e Contratos da prefeitura realize vistoria na unidade, "apontando em seu laudo, mediante a apresentação de quadro comparativo, se os serviços e o RH efetivo estão em consonância com as cláusulas contratuais, atentando ao teor da representação".

A prefeitura ainda deve, de acordo com o inquérito, destacar a cláusula contratual que permite a quarteirização do serviço médico para a empresa MedTrust, além de providenciar os registros necessários.

A promotora também determina que o Cremesp esclareça as providências administrativas adotadas para apresentação dos documentos necessários pela unidade de saúde para conclusão da vistoria.

Comissão fará vistorias no local, afirma prefeitura A Secretaria Municipal da Saúde informou, por meio de nota, "que foi realizada uma visita técnica por representante da pasta para apurar criteriosamente os pontos elencados no inquérito. O órgão adianta ainda que foi composta uma comissão formada por representante da Secretaria Municipal da Saúde, da Coordenadoria Regional de Saúde Sudeste e da Organização Social SPDM com o intuito de realizar vistorias para apurar as solicitações no Hospital Municipal Brigadeiro e garantir a continuidade dos serviços prestados para os pacientes diagnosticados com a Covid-19".

Já a SPDM informou que não teve acesso ao inquérito e "irá se manifestar oportunamente, ao tomar conhecimento dos autos". A organização social também refuta a acusação de quarteirização na contratação de médicos.

"Conforme parecer do STF de 2015, a parceria entre o poder público e as OSS para a gestão de serviços de saúde não se caracteriza como 'terceirização'. Portanto, é incorreto falar em 'quarteirização' quando uma Organização Social contrata empresas privadas para garantir o atendimento aos usuários do Sistema Único de Saúde, sendo que tal prática não caracteriza, em si, nenhuma ilegalidade, desde que respeitados os regulamentos de compra das Organizações Sociais, que são públicos e divulgados nos Diários Oficiais do Estado e do município", diz trecho de nota enviada à reportagem.

A entidade ainda destaca que está sempre à disposição das autoridades para prestar esclarecimentos e que presta contas sobre todos os contratos de gestão firmados com o poder público para gestão de unidades de saúde.

A MedTrust informou que não teve acesso ao referido relatório, mas "esclarece que foi contratada pela SPDM através de processo seletivo para disponibilizar ao Hospital Brigadeiro profissionais médicos, exclusivamente".

Já o Cremesp informou que os fatos estão sendo apurados, bem como a responsabilidade dos dirigentes do hospital, e que uma nova fiscalização deve ser feita pelo conselho.

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